sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Para encerrar o assunto sobre MÚSICA SERTANEJA (parte final)






É interessante como não existe um estilo musical mais maltratado do que o sertanejo, no Brasil.

Um pseudo-sertanejo, falso, raso e mal feito foi desajeitadamente colocado como continuação daquele antigo, tradicional, ofuscando-o.

Se formos parar para pensar, de certa forma aconteceu isso com todos os estilos, no decorrer dos tempos. Porcarias sempre existiram, sempre vão existir, dentro de qualquer gênero musical que seja. Mas, a meu ver, a situação da música sertaneja é um pouco pior. Minha preferência é o rock, de maneira que me doem os ouvidos quando ouço uma banda como o Restart aparecer na televisão, dizer que tem influência de Black Sabbath, ganhar um prêmio qualquer de “Revelação Rock” e sair gritando “O rock não morreu” no microfone (Nessa hora, o Lobão parece ter acertado... O rock errou. E feio!). Mas ninguém acredita nessa baboseira – vendam eles quantos milhões de discos quiserem. O rock praticamente nunca foi marginalizado – sempre teve uma atitude rebelde, anti-sistema, o que é diferente. Mas, em qualquer lugar do mundo, o rock tem o seu espaço garantido.
Já com o sertanejo, a situação é diferente. O estilo sempre brigou com gêneros urbanos. Nunca teve o devido reconhecimento e, por vezes, foi taxado de brega, antiquado (porque, sejamos honestos: na maior parte das vezes era mesmo). Enfim, brigou bastante para conquistar seu espaço e, quando estava em vias de conseguir, foi ofuscado por uma farsa. Playboys apropriaram-se do palco e o crescimento do gênero autêntico ficou estagnado – ou foi desviado de modo bem troncho.

Veja a linha de evolução das coisas, a meu ver:

1. Anos 1920 - Começou com as Folias de Reis, depois Cornélio Pires oficializou a entrada no mercado.
Tonico e Tinoco - Pioneiros
2. Anos 1940 - Passa Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho e a consolidação das grandes duplas de raíz. Lá com a turma do Tião Carreiro, a coisa deu uma profissionalizada, com a melhoria das vozes e adição de mais instrumentos.
3. Anos 1960 - Milionário e José Rico deram uma “embregada” na coisa, exaltando o lado “dor de cotovelo”, dando ares de música mariachi com bolero (aqui, aparece uma curva suave na trajetória do estilo). Vêm Mato Grosso e Mathias, João Mineiro e Marciano, etc.
4. Anos 1970 – O sertanejo adota uma postura mais moderna. Sérgio Reis, Renato Teixeira e Léo Canhoto e Robertinho trazem influências do MPB e do rock, metaforizando, de certa forma, a inserção do homem do campo na cidade.
5. Anos 1980 – Chitãozinho e Xororó, no início dos anos 80, pegam carona no lado brega e deixam a marca inevitável das vozes em falsete (aquele alarido que incomoda o ouvido em “Evidências”). Começamos a ver o aumento da separação entre cantores e compositores, bem como a supervalorização das regravações. Pela primeira vez, a segunda voz se torna efetivamente secundária (na música caipira de raiz, dupla era dupla. Não havia distinção de importância de vozes).
6. 1985 - Metade dos anos 80, entra Leandro e Leonardo, com novos falsetes e a supervalorização da dor de cotovelo (curva acentuada nos trilhos da evolução). Inauguração da arena do “Os Independentes”, em Barretos, e a explosão da cultura western/country no meio sertanejo.
7. Anos 1990 - Inicio dos anos 90, vem a turma o Zezé di Camargo e Luciano e Chrystian e Ralf, pra eternizar os “Amigos” e marcar de vez, em nossas almas e ouvidos, o poder das vozes em falsete. Entram as calças jeans atochadas. O Sertanejo ganha de vez a Globo.
8. 1995 - Metade dos anos 90, o estilo “embrega” de vez. Aparecem as primeiras músicas “zoeira”, com César e Paulino, Guilherme e Santiago, “Enrosca, enrosca” e o tira e põe de carros nas garagens das vizinhas. O estilo, que já era marginalizado, toca praticamente só nas rádios AM de ônibus coletivos e vira sinônimo de decadência. (ladeira abaixo na evolução. O sertanejo respira por aparelhos).
9. 1999 - Fim dos anos 90, Bruno e Marrone começa a tocar no carro dos playboys. As orelhas dos empresários do ramo se levantam. O estilo volta a parecer economicamente viável. A mudança do público gera um rebuliço enorme. Os nomes de dupla antigos saem de moda e as duplas começam a adotar nomes urbanos. A Festa do Peão de Barretos começa a voltar a ficar chique.
10. Anos 2000 - Victor e Léo, Edson e Hudson, Fernando e Sorocaba, João Neto e Frederico, dentre diversos outros, consolidam a música sertaneja entre faixas etárias mais jovens, inserindo o gênero como obrigatório nas baladas. Existe uma explosão de duplas pelo Brasil afora. A temática das músicas é praticamente sobre relações amorosas. A criatividade some, e tanto as músicas quanto os nomes de duplas começam a se repetir, em combinações óbvias (Victor e Neto, Léo e Frederico, etc). O quadradinho mágico das trastes do violão (Bm, G, D, A e derivações) entra de cabeça para o circuito. O público cada vez mais jovem inspira a denominação de “sertanejo universitário” ao estilo – em contraposição ao “sertanejo tradicional” ou “de raiz”.
11. 2008 - Luan Santana aparece como uma mistura de Sandy & Júnior com Amado Batista: a quebra efetiva no padrão de duplas, demonstrando a viabilidade do cantor solo. Acompanhado por Gusttavo Lima, Eduardo Costa, Cristiano Araújo, Paula Fernandes, Michel Teló, dentre outros. O público abrange idades ainda mais precoces.
12. Atualidade - A falta de criatividade chega ao ápice. A temática aborda festas, esbórnia, cachaça e um sem número de onomatopéias (tchu tchu, tchererê, parapapá, etc). Exceto pela sanfona, não existe mais nenhum elemento em comum com o antigo gênero. As regravações são apenas de excertos das antigas canções – falta paciência para cantar tudo.

Logicamente que os movimentos paralelos sempre existiram. Sérgio Reis, que saiu da Jovem Guarda para se dedicar à musica sertaneja, continua gravando e fazendo shows. Almir Sater e Renato Teixeira, apesar de meio sumidos, continuam na ativa (o filho do Renato, Chico Teixeira, inclusive, se lançou no mercado em 2011, com a proposta de resgatar o sertanejo de raiz). Milionário e José Rico e os sertanejos urbanos também.

Mas percebe-se que todos eles estão à margem de todo o processo. Foram endeusados e engessados na parede do tempo. Os sertanejos da atual geração possuem verdadeira devoção a esses antigos ícones, desde que estes não se intrometam. Ou, quando interagem, a sensação é a de que pertencem a categorias distintas. Chitãozinho e Xororó cantando com Luan Santana, é como Roberto Carlos cantando com Jorge Aragão, ou como Dinho Ouro Preto dividindo o palco com Mart'nália. Guardadas as devidas proporções e o devido respeito a quem merece, claro.

Villa Mix - o Templo "Sertanejo"

O sertanejo definitivamente não é um gênero que eu aprecio. Mas sempre respeitei os artistas e as obras pertencentes a esse estilo. Sem dúvida nenhuma, fazem parte da cultura nacional, da nossa identidade. Mas é fácil constatar que o que hoje se produz em larga escala não passa de um embuste. É necessário respeitar sempre a liberdade de escolha de quem gosta. Mas não venha me empurrar como sertanejo, que eu não compraria nem se fosse mesmo.

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