terça-feira, 28 de janeiro de 2014

E vamos falar sobre essa tão maltratada MÚSICA SERTANEJA (parte 02)




1960 – Tião Carreiro e Pardinho

A primeira vez que eu vi a imagem do Tião Carreiro, fiquei totalmente surpreendido. Foi numa capa de CD pirata, comprado nesses postos de beira de estrada, quando eu tinha uns 14 anos. Eu já conhecia várias músicas desde muito pequeno, já que meu pai e o tio Jomar sempre foram fãs e só trocaram as fitas K-7 pelos CDs (e hoje, pelo iPod). Mesmo assim, era estranho ver que aquele vozeirão pertencia ao cara de Black Power e bigodão mariachi.

E é estranho que, até atualmente, na era do You Tube, eu ainda não tenha visto um vídeo decente sequer de uma performance dele com o Pardinho. O cara é um ícone do gênero. Junto com Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho, e outros ícones, são a Elis Regina, o Cazuza do sertanejo. A dupla com o Pardinho lançou mais de 300 músicas. E é muito raro vermos homenagens, reportagens ou programas especiais dedicados a eles na televisão ou mesmo na internet. O que me leva a crer que não se trata de artistas: trata-se do gênero.

É evidente que o sertanejo é um gênero musical desprezado, marginalizado. Ainda que Luans Santanas e Cesar Menottis apareçam no Faustão todo domingo e disputem o Medida Certa no Fantástico, o fato é que, para ganharem acesso às massas, os artistas atualmente tidos como sertanejos se distanciaram bastante das raízes. E, a meu ver, nada confirma mais essa marginalização ao estilo do que a completa ausência de menção a Tião Carreiro e Pardinho na nossa cultura popular – ainda que suas vozes continuem presentes nos churrascos de família e no som dos automóveis de nossos tios. Ainda que exaustivamente regravados pela pleiboizada que ocupa espaço na TV e no rádio.

Cara de Mau
Tião Carreiro entra numa época em que a música caipira começa a sofrer suas primeiras adaptações para entrar, de maneira tímida, no circuito de massas. Antes acompanhados apenas por violas, tocadas pelos próprios cantores, artistas como Cascatinha e Inhana, Irmãs Galvão e, um pouco mais à frente, Milionário e José Rico dedicam um pouco mais de atenção à qualidade de suas vozes. Permitem-se serem acompanhados por percussões discretas e violões. No auge do brega, alguns incorporam trompetes e teclados. A figura dos cantores também é valorizada, incorporando ares da cultura western e country americana - chapéus escandalosos, cintos, espora e fivelas nada discretos.


Apesar de se tornarem mais conhecidos, a música caipira (e, nessa época, ainda era considerada “sertanejo de raiz”) ainda estava à margem. A temática ainda era a vida no campo, as estórias de amor e de morte, porém com uma leve tendência ao romantismo e aos elementos da cidade.

Destaque para “Boneca Cobiçada”, de Palmeira e Biá, com letra bastante ousada para a época (“Teu corpo não tem dono / Teus lábios têm veneno”). Aliás, a esse respeito, é importante dizer que ainda se dava bastante valor aos autores da música, originalmente. Via de regra, quem criava, cantava.


A Vaca Já Foi Pro Brejo
(Tião Carreiro/Lourival dos Santos/Vicente P. Machado)

Mundo velho está perdido
Já não endireita mais
Os filhos de hoje em dia já não obedece os pais
É o começo do fim
Já estou vendo sinais
Metade da mocidade estão virando marginais
É um bando de serpente
Os mocinhos vão na frente, as mocinhas vão atrás

Pobre pai e pobre mãe
Morrendo de trabalhar
Deixa o coro no serviço pra fazer filho estudar
Compra carro a prestação
Para o filho passear
Os filhos vivem rodando fazendo pneu cantar
Ouvi um filho dizer
O meu pai tem que gemer, não mandei ninguém casar

O filho parece rei
Filha parece rainha
Eles que mandam na casa e ninguém tira farinha
Manda a mãe calar a boca
Coitada fica quietinha
O pai é um zero à esquerda, é um trem fora da linha
Cantando agora eu falo
Terreiro que não tem galo, quem canta é frango e franguinha

Pra ver a filha formada
Um grande amigo meu
O pão que o diabo amassou o pobre homem comeu
Quando a filha se formou
Foi só desgosto que deu
Ela disse assim pro pai: “quem vai embora sou eu”
Pobre pai banhado em pranto
O seu desgosto foi tanto que o pobre velho morreu

Meu mestre é Deus nas alturasO mundo é meu colégio
Eu sei criticar cantando, Deus me deu o privilégio
Mato a cobra e mostro o pau
Eu mato e não apedrejo
Dragão de sete cabeças também mato e não alejo
Estamos no fim do respeito
Mundo velho não tem jeito, a vaca já foi pro brejo



Principais artistas do período: Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Irmãs Galvão, Irmãs Castro, Sulino e Marrueiro, Palmeira e Biá, o trio Luzinho, Limeira e Zezinha, José Fortuna, Pena Branca e Xavantinho, Milionário e José Rico (no início de carreira), Liu e Léo, Jacó e Jacozinho.

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