1960 – Tião
Carreiro e Pardinho
A
primeira vez que eu vi a imagem do Tião Carreiro, fiquei totalmente
surpreendido. Foi numa capa de CD pirata, comprado nesses postos de
beira de estrada, quando eu tinha uns 14 anos. Eu já conhecia várias
músicas desde muito pequeno, já que meu pai e o tio Jomar sempre
foram fãs e só trocaram as fitas K-7 pelos CDs (e hoje, pelo iPod).
Mesmo assim, era estranho ver que aquele vozeirão pertencia ao cara
de Black Power e bigodão mariachi.
E é
estranho que, até atualmente, na era do You Tube, eu ainda não
tenha visto um vídeo decente sequer de uma performance dele com o
Pardinho. O cara é um ícone do gênero. Junto com Tonico e Tinoco,
Pena Branca e Xavantinho, e outros ícones, são a Elis Regina, o
Cazuza do sertanejo. A dupla com o Pardinho lançou mais de 300
músicas. E é muito raro vermos homenagens, reportagens ou programas
especiais dedicados a eles na televisão ou mesmo na internet. O que
me leva a crer que não se trata de artistas: trata-se do gênero.
É
evidente que o sertanejo é um gênero musical desprezado,
marginalizado. Ainda que Luans Santanas e Cesar Menottis apareçam no
Faustão todo domingo e disputem o Medida Certa no Fantástico, o
fato é que, para ganharem acesso às massas, os artistas atualmente
tidos como sertanejos se distanciaram bastante das raízes. E, a meu
ver, nada confirma mais essa marginalização ao estilo do que a
completa ausência de menção a Tião Carreiro e Pardinho na nossa
cultura popular – ainda que suas vozes continuem presentes nos
churrascos de família e no som dos automóveis de nossos tios. Ainda
que exaustivamente regravados pela pleiboizada que ocupa espaço na
TV e no rádio.
![]() |
Cara de Mau |
Tião
Carreiro entra numa época em que a música caipira começa a sofrer
suas primeiras adaptações para entrar, de maneira tímida, no
circuito de massas. Antes acompanhados apenas por violas, tocadas
pelos próprios cantores, artistas como Cascatinha e Inhana, Irmãs
Galvão e, um pouco mais à frente, Milionário e José Rico dedicam
um pouco mais de atenção à qualidade de suas vozes. Permitem-se
serem acompanhados por percussões discretas e violões. No auge do
brega, alguns incorporam trompetes e teclados. A figura dos cantores também é valorizada, incorporando ares da cultura western e country americana - chapéus escandalosos, cintos, espora e fivelas nada discretos.
Apesar
de se tornarem mais conhecidos, a música caipira (e, nessa época,
ainda era considerada “sertanejo de raiz”) ainda estava à
margem. A temática ainda era a vida no campo, as estórias de amor e
de morte, porém com uma leve tendência ao romantismo e aos
elementos da cidade.
Destaque
para “Boneca Cobiçada”, de Palmeira e Biá, com letra bastante
ousada para a época (“Teu corpo não tem dono / Teus lábios têm
veneno”). Aliás, a esse respeito, é importante dizer que ainda se
dava bastante valor aos autores da música, originalmente. Via de
regra, quem criava, cantava.
A Vaca
Já Foi Pro Brejo
(Tião
Carreiro/Lourival dos Santos/Vicente P. Machado)
Mundo
velho está perdido
Já
não endireita mais
Os
filhos de hoje em dia já não obedece os pais
É
o começo do fim
Já
estou vendo sinais
Metade
da mocidade estão virando marginais
É
um bando de serpente
Os
mocinhos vão na frente, as mocinhas vão atrás
Pobre pai e pobre
mãe
Morrendo de trabalhar
Deixa o coro no serviço pra fazer filho estudar
Compra carro a prestação
Para o filho passear
Os filhos vivem rodando fazendo pneu cantar
Ouvi um filho dizer
O meu pai tem que gemer, não mandei ninguém casar
Morrendo de trabalhar
Deixa o coro no serviço pra fazer filho estudar
Compra carro a prestação
Para o filho passear
Os filhos vivem rodando fazendo pneu cantar
Ouvi um filho dizer
O meu pai tem que gemer, não mandei ninguém casar
O filho parece
rei
Filha parece rainha
Eles que mandam na casa e ninguém tira farinha
Manda a mãe calar a boca
Coitada fica quietinha
O pai é um zero à esquerda, é um trem fora da linha
Cantando agora eu falo
Terreiro que não tem galo, quem canta é frango e franguinha
Filha parece rainha
Eles que mandam na casa e ninguém tira farinha
Manda a mãe calar a boca
Coitada fica quietinha
O pai é um zero à esquerda, é um trem fora da linha
Cantando agora eu falo
Terreiro que não tem galo, quem canta é frango e franguinha
Pra ver a filha
formada
Um grande amigo meu
O pão que o diabo amassou o pobre homem comeu
Quando a filha se formou
Foi só desgosto que deu
Ela disse assim pro pai: “quem vai embora sou eu”
Pobre pai banhado em pranto
O seu desgosto foi tanto que o pobre velho morreu
Um grande amigo meu
O pão que o diabo amassou o pobre homem comeu
Quando a filha se formou
Foi só desgosto que deu
Ela disse assim pro pai: “quem vai embora sou eu”
Pobre pai banhado em pranto
O seu desgosto foi tanto que o pobre velho morreu
Meu mestre é Deus
nas alturasO mundo é meu colégio
Eu sei criticar cantando, Deus me deu o privilégio
Mato a cobra e mostro o pau
Eu mato e não apedrejo
Dragão de sete cabeças também mato e não alejo
Estamos no fim do respeito
Mundo velho não tem jeito, a vaca já foi pro brejo
Eu sei criticar cantando, Deus me deu o privilégio
Mato a cobra e mostro o pau
Eu mato e não apedrejo
Dragão de sete cabeças também mato e não alejo
Estamos no fim do respeito
Mundo velho não tem jeito, a vaca já foi pro brejo
Principais
artistas do período:
Tião Carreiro e Pardinho,
Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Irmãs Galvão, Irmãs Castro,
Sulino e Marrueiro, Palmeira e Biá, o trio Luzinho, Limeira e
Zezinha, José Fortuna, Pena Branca e Xavantinho, Milionário e José
Rico (no início de carreira), Liu e Léo, Jacó e Jacozinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário