quinta-feira, 23 de abril de 2015

A verdade dói



Levou um tapa na cara assim que falou aquilo.

- Você vai aprender a me respeitar, moleque.
- Mas, mãe, eu só disse que você anda chata pra caralho. É verdade! Olha aí o tapa pra com--

E mais um bofetão, nem bem terminara a frase. No maior estilo Dona Florinda. Ficou sem entender o porquê de ter sido tão sincero com a mãe, assim de repente.

- E, João Guilherme! Não quero ouvir mais um pio! Sai da minha frente.

Era sério aquilo. Poderia lhe trazer problemas. Geralmente, falava a verdade pra provocar, ferir, magoar. Era assim que funcionava, não é? O tal do "jogar na cara". A verdade como carta na manga. Mas, por outro lado, dita assim sem segundas intenções, abria uma série de novas possibilidades.

E foi tentar na escola também.

- Professora, eu não fiz a lição porque acho matemática uma bosta. 
- Então, Leonardo, que tênis de gay pobre é esse seu aí. 
- Vanessa, cala essa voz desgramada sua, que ninguém é obrigado a ouvir.
- Tia Lurdes, lava a mão antes de me dar o salgado, que eu não sei onde você tava enfiando ela.
- Sim, eu gosto do Rodrigo Constantino.

Aquilo tudo tava bem divertido, uma sensação boa de liberdade e potência. Cada vítima de suas verdades tinha as próprias mentiras para se preocupar. Ninguém tinha armas o suficiente para revidar. Ou talvez fossem seus 1,70 metros, no auge da explosão hormonal, que botassem certa banca.

E continuou assim o dia inteiro. Até que encheu o saco. Precisava de desafios maiores, mais adrenalina. Talvez enfrentar alguma resistência, testar reações. Foi para a sala do diretor.

- Então, dr. Emival... Tô num humor especialmente bom hoje, dai queria pedir pro sr. não incomodar as aulas hoje. Não aparecer nas salas dando aviso, nem nada. É ruim pra desgraça, ninguém gosta, e não ajuda nada.

O diretor encarou o adolescente, meio incrédulo.

Depois da diretoria, ainda abordou o Roberto bedel, fez uma reclamação contra a turma da limpeza na coordenação e bombardeou alguns alunos novatos que jogavam bola no pátio. Atirava verdades cada vez mais recheadas de palavrões e inconveniências, sem calcular preço ou impacto.

No fim do dia, cansado mas satisfeito, dobrou o corredor rumo ao portão da saída. Já planejava o dia seguinte, distribuiria dardos despretensiosamente venenosos logo cedo pela padaria. Percorreria pontos de ônibus, drogarias, faria um tour pela cidade pra sentir a reação de estranhos. Conquistaria grandes aglomerações - cinema, shopping, estádio de futebol. Quem sabe, algum estúdio de televisão. Por fim, atacaria a própria família. A fronteira final.

Antes de chegar ao fim do corredor, entretanto, num canto especialmente escuro, levou uma gravata por trás. Não viu quem era, mas um sujeito gordo cheirando a vicky vaporub o jogou no chão e chutou suas costelas. Levou diversos socos no estômago e no rosto. Sentiu a cusparada quente no rosto. Pisando na sua mão, o gordo camuflado aproximou-se do ouvido do garoto:

- Então... seu porra! Tu é um desgraçado filho da mãe. Tá se achando bonito demais? Tu é um escroto. Ninguém precisa das suas verdades não. Enfia um pouco de educação nessa sua bunda fedorenta e tenha mais respeito pelos outros. Senão amanhã vai apanhar de novo.

A sombra obesa sumiu no corredor.

João Guilherme catou o que restou da dignidade no chão e foi embora pedir desculpas para a mãe. 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O Vinil




Quando eu era criança, acho que ali pelos 8 ou 9 anos, me lembro bem de ficar namorando por horas e horas a capa do LP do "Jiban - O Policial de Aço" que rodava no toca-discos. Também me lembro da minha mãe colocando o Edson Cordeiro pra cantar com a Cássia Eller ("Como assim? A voz fina é de um homem? E a grossa, de uma mulher?"). O Jordy com o "cococi, cocoçá", e a turma da xuxa nos aniversários. Vinil comandava.
Veio o CD. Curiosamente, o primeiro lugar que teve aparelho toca CDs lá em casa foi no carro. O aparelho para dentro de casa era caro demais! E os primeiros CDS comprados, coletâneas do Bach, Mozart e Vivaldi. Seguidos da trilha sonora dos Cavaleiros do Zodíaco. O toca discos foi sendo deixado de lado, mas só lembro de os meus pais doarem o aparelho uns 5 anos depois. A fita K-7 e os walkmans duraram mais, por causa do preço e por serem, durante um bom tempo, as únicas mídias graváveis.
A verdade é que, apesar de o toca-discos ter ido embora, os bolachões continuaram guardados. E, vez ou outra, esbarrando num deles, eu ficava me lembrando daqueles refrões do Jiban, Jaspion e Xuxa. Como é que aquilo produzia som? Quanta diferença para o som límpido e cristalino do MP3. Hoje, ainda temos música direto da nuvem, masterização própria para o iTunes, coisa fina.
Dai, ali pra 2006 mais ou menos, invoquei com LP de novo quando, passeando pelos "pregos" de Campinas com meu pai e meu irmão, vimos um cara vendendo um aparelho Phillips completo por R$80,00. Aquilo era acessível até para mim, bolsista estagiário da Defensoria Pública. Levamos pra casa.
Ressuscitei os velhos bolachões - e olha que tinha bastante coisa bacana, aprazível a ouvidos mais amadurecidos, já que a turma da Xuxa e o Jordy soavam, agora, bem fracos (menos pela idade do que pelas guitarrinhas metal-melódicas). Cavouquei uns Deep Purples, John Lennons e Miltons Nascimentos da minha mãe... eu lembrava do Kraftwerk também. Não achei o do Edson Cordeiro.
Uns tempos depois, atravessei a Rua 4 um dia com a Marina e achei muita coisa boa a R$10, R$15. Comprei a discografia do Guns, o Black Album do Metallica, mais da metade dos discos do Lobão. Legião Urbana. Engenheiros quase tudo também. A Marina pegou uns do U2. Preço de banana! Levei muita coisa boa pra complementar a discoteca. E, como o preço era muito bom, dava pra conhecer algumas coisas novas tb, arriscar porcarias. Peguei um duplo da Madonna muito bom - The Immaculate Collection. Mas ainda tava naquele lance de saudosismo e preço baixo.
Até que em 2010, em São Paulo, visitei a loja da Baratos Afins, na Galeria do Rock, e aí a coisa subiu de nível. Eu nem sabia que existia, mas comprei um LP do B.B. King LACRADO! Nunca antes tocado. Aquilo parecia uma máquina do tempo, direto para os anos 80. Acho que morri nuns R$50,00, também por causa do B.B.King, mas muito mais pela curiosidade de tirar o lacre de um LP em plenos anos 2010. Um ano depois, arrematei pelo mesmo valor o "Exile On Main Street" dos Stones, duplo mas usado, na feira livre do MASP. Devagarinho, aquilo ia virando mania.
Casei e juntei minha coleção com a da Marina - que, na verdade, eram coleções dos meus pais e dos pais dela. E hoje, já fiz uma lista de uns 30 discos que quero adquirir - clássicos - pra compor minha estante. De preferência, lacrados (na verdade, depende mais do bolso do cliente).
Sabe qual o problema? Uma galera redescobriu o vinil também, por motivos diversos. Virou meio modinha - sem querer desmerecer ninguém. E como a industria do vinil parou lá nos anos 80, o maquinário é o mesmo, a produção bem pífia, o preço subiu demais! Com as 50 pratas que eu paguei no B.B.King, hoje, eu não consigo nem um usado do Roberto Carlos. Outro dia, vi alguns álbuns usados do Capital Inicial a $100 lá no "Páginas Antigas", no centro - os mesmíssimos discos que eu tinha manuseado a $15 há 5 anos atrás.
Mas e aí? Vinil é melhor que CD? A modinha se justifica? 
O fato é que a mídia digital traz o som convertido de bits, dados. Por mais cristalino que seja, dizem que não possui o “espectro” auditivo completo, seria um som mais frio. O vinil, por sua vez, seria um som mais quente. A agulha, em contato com os sulcos do vinil preto, produziriam o som completo, sem lacunas (o que valorizaria, dentre outras coisas, os graves originais). Quase que como um instrumento musical em si mesmo. O mais próximo possível do som gravado originalmente em estúdio. Na teoria.
Argumentos prós e contras não faltam. E eu fico me perguntando: E DAÍ?
Acho chato pra caramba que a maioria das coisas virem times de futebol. Não bastasse a encheção de saco da política (“A culpa não foi minha, eu votei no Aécio” dãããã), agora gostar de vinil significa renegar o CD. E curtir MP3 significa rechaçar todo o anacronismo dos bolachões. Torcidas organizadas pra todo lado. 
Acho que o meio - digital ou analógico - continua sendo meio. Transmitem sensações diferentes e, por isso mesmo, devem complementar-se (de preferência, que não se tornem o fim em si mesmos). É impossível botar o vinil pra tocar no carro, a caminho do trabalho. Na minha opinião, a ocasião é perfeita para uma playlist selecionada, diretamente do smartphone ou do pendrive. CDs foram feitos para carros! Igualzinho ao primeiro toca CD da minha família. O trajeto é curto, o tempo nem tão longo, a atenção precisa estar dividida... e dá pra ouvir só as faixas preferidas, se for o caso.
Por outro lado, o vinil traz a sensação de obra completa. É para ser ouvido sem pressa, sem a necessidade de pular de faixa - cada uma em seu lugar, com antecessoras e sucessoras. Olhando o encarte, acompanhando a letra… ou mesmo em estado de absoluta contemplação - do tempo, dos instrumentos musicais, da mixagem. Escutar "Muros e grades", do Engenheiros, é fenomenal. Mas sacar ela no contexto que é o "Várias Variáveis" faz a coisa mudar de panorama. O mesmo caso de "Division Bell", do Pink Floyd, com todas aquelas transições de faixas. O que não tira o prazer de ouvir "High Hopes" isoladamente, do primeiro ao último sino. Mas são prazeres diferentes.
Sim, até dá pra fazer isso com o CD também. Mas qual foi a última vez que você fez isso? E a questão aqui vai além do que seja “útil” ou “possível” fazer. Eu tô falando do quê que te dá prazer. Você prefere tomar vinho no copo americano, ou na taça de cristal? Aquele chopp fica melhor no copo plástico, ou na caneca gelada? 
Ainda tem toda uma discussão sobre os prós e contras do que o Steve Jobs fez com o mercado fonográfico, aquele lance de comprar músicas separadas faixa a faixa, a modernização do conceito de “singles”, as paradas musicais virtuais… E o vinil com isso. Mas isso é questão pra outra hora.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Uma História de Duas Cidades



É engraçado como, assim como pessoas, também cidades que param no tempo parecem carregar o peso dos anos. As agonias de questões mal resolvidas, dramas, melancolia e tudo mais... As "poleis" respiram como nós.

Voltei a Anicuns há uns meses atrás, onde morei quando tinha uns 11 ou 12 anos de idade. Saí de lá triste, melancólico, porque a cidade parecia abandonada! Não abandonada de gente, mas abandonada das pessoas que moravam lá quando eu também morava. Os prédios e casas eram os mesmos de 18 anos atrás, mas sem escolas funcionando, academias, vizinhos, vendedores, professores. Eram fantasmas de concreto. Pouca coisa mudou em todo esse tempo - talvez pela proximidade de Goiânia (cerca de 1 hora de carro). Não sei.

E essa semana, voltei a Posse, onde morei quando tinha 10 anos. Apesar de todos os dramas pessoais de conhecidos meus que viviam aqui, a cidade não parou. Dá pra reconhecer muita coisa de 19 anos atrás, mas as vendinhas viraram supermercados! As escolas se desenvolveram! Ruas novas, praças novas, prédios novos! Lotes antes baldios agora ostentam pizzarias, escritórios. Existe gente crescendo e fazendo as coisas diferentes por aqui. A cidade parece jovem, atlética, bem disposta! É uma cidade com personalidade própria, que não precisa da minha infância para existir - talvez, ao contrário de Anicuns. Eu moraria aqui hoje, tranquilamente (exceto pela distância de quase 600 km de Goiânia). Pelo meu sentimento quando fui a Anicuns, imaginei que, quando voltasse a Posse, me sentiria bem pra baixo. Pelo contrário! Bate uma saudade boa da infância - bicicleta, goiaba, acampamentos, futebol, a sequencia mágica da TV Cultura (Os Anjinhos, Castelo Rá-Tim-Bum, O Mundo de Beakman e Doug/Tim Tim). Mas não vi fantasmas.

Ainda bem porque, pelo "timing", não seria uma boa hora para se apegar ao passado.

domingo, 13 de julho de 2014

Dia Brasileiro do Rock







13 de Julho, Dia Mundial do Rock. 

Combinaram esse dia porque o primeiro Live Aid foi organizado em Londres nessa data, em 1985, com o objetivo de arrecadar fundos para o combate à fome na Etiópia. Mas deu tanta gente bacana, tanta banda foderástica, que o significado foi ampliado. Elvis Costelo, Sting, Bryan Ferry e David Gilmour, U2, Dire Straits, Queen, The Who, Zeppelin, Clapton, B.B. King, Elton John, Paul McCartney, Keith, Mick e Ronnie dos Stones... O Phill Collins lançou que a coisa deu tão certo, que aquele poderia até ser considerado como o dia mundial do rock. Deu a dica.

Junta-se a isso o fato de que a primeira apresentação dos Rolling Stones, no n. 90 da Wardour Street de Londres (o lendário Marquee Club), foi realizada na madrugada do dia 12 para o dia 13 de julho de 1962. Depois da deixa do Phill Collins, a galera toda não achou nenhum pouco ruim cravar a bandeira na data. Peso não faltava.

Agora, o interessante é que quem decidiu isso tudo não foi o Phill Collins, nem ninguém dos Rolling Stones. Ali no início de 1990, duas rádios do segmento rock paulistano (a 89 FM e a 97 FM - esta última, nos dizeres absolutamente fundamentados do Kid Vinil, atualmente traidora do movimento) resolveram jogar as palavras do Collins na pista pra divulgar suas programações e a coisa pegou!

Sim, senhoras e senhores! O Dia Mundial do Rock é criação brasileira! O "contra" disso é que só é comemorado no Brasil, hehe. A maioria dos outros países simplesmente ignora a data e não separa qualquer ocasião para celebrar os nossos heróis. 

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Nessa mesma data, comemora-se o primeiro gol na história das Copas do Mundo, pelo jogador francês Lucien Laurent, o primeiro álbum do Sinatra e a segunda brasileira Miss Universo. No Brasil, ainda celebra-se nessa data o dia do Engenheiro de Saneamento, o nascimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e do João Bosco.

Dia cheio!

=>  Kid Vinil no Whiplash: http://whiplash.net/materias/news_861/111549-kidvinil.html

quinta-feira, 10 de julho de 2014

AC/DC sem o Malcom... será que dá liga?




Quando eu ouvia falar em AC/DC, há uns 10 anos atrás, a única coisa que vinha na minha cabeça eram as calças atochadas do Bon Scott. Eu não conhecia quase nada - não sabia nem que Highway To Hell era deles, para ser bem sincero. Já conhecia uma boa parte da obra dos Rolling Stones, Led Zeppelin, Guns, Iron, Black Sabbath, e etc e tal... mas minha virgindade com esses australianos durou mais do que o recomendável.
Dai que nem fiquei constrangido quando, algum tempo depois, meu amigo Daniel Rodrigues me corrigiu, dizendo que quem tinha criado todos aqueles riffs fabulosos era o Malcom, não o Angus (eu achava que o Angus fazia tudo na banda). A gente fica de olho só no baixinho vestido de colegial, DESTRUÍNDO a Gibson SG, e esquece de reparar no outro baixinho tímido, mas com um potencial de destruição tão grande quanto. Tire o Malcom, e você tira os trilhos onde a Locomotiva Angus apita.
Daí que o AC/DC oficialmente declarou essa semana que finalizou os trabalhos de gravação do próximo álbum, ainda sem nome definido. Sem o Malcom.
Já é um pouco intrigante a banda ter conseguido continuar suas atividades desde que ele anunciou seu afastamento, no início do ano... Pra falar bem a verdade, nessa bagunça de informações desencontradas - de um lado, a imprensa decretando o fim do AC/DC, de outro, alguns membros da equipe deixando vazar a possibilidade de uma nova turnê em 2014 - o que eu consigo ver é Angus, Cliff e Phil totalmente silenciosos, imersos nesse clima melancólico pós-Malcom. Não é como se ele tivesse morrido, mas pôxa! Pro cara ter pedido demissão daquilo que foi seu projeto de vida, podemos temer por algo ruim.
Enquanto isso, Brian Johnson parece ser o único empolgado. Talvez um pouco além da conta. Vai saber.
Todo mundo sabe que quando Bon Scott (vocalista original) morreu, a contratação do Brian pareceu loucura - até que o quinteto ressurgiu com o excepcional "Back In Black". Estavam de volta, mas vestidos de preto. Os sinos batendo de modo fúnebre na abertura de Hells Bells, como num cortejo, finalizavam a homenagem a Bon. Mas dai agora o Brian aparece todo empolgado, dizendo que quer colocar o nome do novo álbum de "Man Down"? De um mau gosto tremendo. E, a meu ver, deixa a dúvida sobre as reais intenções do Johnson.
Não que o AC/DC tenha que parar. Dizem que o Steve Young, sobrinho dos irmãos Young, conseguiu suprir um pouco a lacuna deixada nas guitarras base. Mas daí para querer explorar a dor da família Young, criando essa pseudo-homenagem de mau gosto, como se o cara já estivesse morto? Vamos ver o quê que vira.
Torço para que o AC/DC não vire o projeto de um cara só, e que o Brian não contraia a famigerada LSD - Lead Singer`s Disease. Poucos se salvaram até aqui.



quinta-feira, 3 de julho de 2014

Sobre "I Want You (She's So Heavy)", dos Beatles




Depois que o rótulo de "Reis do iê-iê-iê" pegou, os Beatles poderiam muito bem ter vivido e sobrevivido o resto de suas vidas apresentando suas baladas marcantes, suaves, inocentes, com pouca variação instrumental. Se hoje existe uma galera que faz isso, sobrevivendo de beijos no ombro, camaros amarelos e a porcaria toda, imagina no caso deles, que haviam criado o suficiente para refazer o curso da história musical - ainda que, analisados hoje, hits como "Love me Do" e "She loves you" pareçam fracas em letras e arranjos. Eram figurinha batida nos #1 de rádios do mundo todo.

Mas o mais legal é que, rebelando-se contra a própria tendência que criaram, o quarteto de Liverpool se reinventou por diversas vezes. Em 1969 , a dupla Lennon-McCartney lançou essa coisa maravilhosa chamada "I Want You (She's So Heavy)", última faixa do Lado A (ou, como dizem alguns, 'Lado Lennon' - em contraposição ao Lado B/McCartney) do disco "Abbey Road", que ainda tinha "Come Together", "Something" e "Here Comes The Sun" (para não mencionar "Golden Slumbers" "Carry That Weight" e "The End"). Imagina gravar um disco desses!!


Essa canção abriu os trabalhos de gravação do disco que marcaria a última vez em que John, Paul, George e Ringo estiveram juntos em um estúdio.

Especificamente sobre "I Want You", existe, implícito na letra, forte influência de Yoko Ono e de heroína - ambas em início de relação com John Lennon. O resultado é considerado como a primeira música de heavy metal de todos os tempos - mas dá pra sacar também um bom punhado de rock progressivo e até uns fiapos de grunge à la Pearl Jam.

Escutando até o fim, incomoda muito a parada abrupta antes do fim. Incomoda mesmo! Tipo, "parou por quê, meu?" Causou polêmica na época, mas a edição final foi feita assim de propósito pelo Lennon (Ele teria pedido pra cortarem exatamente aos 7 minutos e 44 de música. Mas há quem diga que o rolo de gravação acabou, e ficou por isso mesmo), o que de certa forma reflete as ideias meio esquisitonas e inovadoras que pairavam.

Slash incluiu os riffs dessa música entre os 10 melhores de todos os tempos, segundo suas influências.

Lennon nos vocais principais. The Beatles, ladies and gentlemen.




I Want You (She's So Heavy)
Lennon / McCartney

I want you 
I want you so bad 
I want you 
I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

I want you 
I want you so bad, babe 
I want you 
I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

I want you 
I want you so bad 
I want you 
I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

I want you 
I want you so bad, babe 
I want you 
I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

She's so heavy 
heavy, heavy, heavy, heavy 

I want you 
I want you so bad 
I want you 
I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

I want you 
I want you so bad, babe 
I want you 
You know I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

Yeah, she's so heavy 
heavy, heavy, heavy, heavy 

I want you 
I want you so bad 
I want you 
I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

I want you 
I want you so bad, babe 
I want you 
You know I want you so bad 
It's driving me mad 
It's driving me mad 

She's so"




quarta-feira, 25 de junho de 2014

Pois é... Pra quê?





A Copa do Mundo chegou e, com ela, conforme previsto, a onda de protestos. Uma das poucas coisas em que não houve atraso. É engraçado notar que o brasileiro geralmente protesta da mesma forma que torce. Como o futebol é o esporte com mais força no país, acaba identificando-se, em cada manifestante, um torcedor apaixonado. De longe, ouvimos gritos de “ÔÔÔ, o Joaquim julgou! O Joaquim julgou!” ou “Arranja outro deputado pra votar na nossa linha”, “Fulano Ladrão! Porrada é a Solução!”. Rimas pobres, entrosamento momentâneo, ausência de profundidade. No fim, claro, xingam o juiz - ou a Presidenta - mandando-o ir para algum lugar obsceno.

Mais do que falta de criatividade e desrespeito, isso evidencia um ato falho desconcertante.

A mentalidade brasileira, quando se trata de discussão política, ainda beira o infantil. Não é à toa que o Romário hoje é deputado, o Sílvio Santos cogitou a carreira política (e, de acordo com as pesquisas da época, prometia dar trabalho na disputa presidencial) e que Ayrton Senna ganharia qualquer eleição fácil, para qualquer coisa a que se candidatasse. Ou que, mais recentemente, muita gente queria ver o Ministro Joaquim Barbosa como chefe do Executivo – sem perceber que ele já era um dos três maiores líderes da nação. Somos o país da novela e do futebol. Nossos pontos de vista se dividem entre os a favor do herói e os contra o vilão. Time nosso, contra time adversário. E se resume a isso: um “maniqueísmo jardim de infância”. O lado bom é santo e deve ser presidente do país (seja ele carteiro, escritor, jogador de futebol, piloto de F-1 ou apresentador de programa de auditório). O lado mau é o de quem discorda (nunca é o seu!), e deve morrer, ir para o inferno, ir tomar em algum lugar (ou ser xingado de reacionário, esquerdinha, coxinha, “direitona”, marginal, vândalo, etc – o que quer que essas palavras signifiquem, na cabeça de quem xinga). Não existe meio termo e isso, infelizmente, acaba com qualquer discussão.

Não que não existam motivos para críticas e manifestações. Principalmente em se tratando de Copa do Mundo. Análises superficiais sobre todo o processo que envolveu desde a escolha do Brasil como sede até a festa de abertura, no dia 12 de junho, em São Paulo (e, muito provavelmente, englobará a festa de encerramento também), já escancaram uma série de amadorismos por parte do governo - em todas as esferas - e de entidades privadas responsáveis pelo evento. O protesto é sempre cabível. Mas existe um milhão formas de se protestar. E exatamente por isso, acho grave o ato falho do povo brasileiro: dentre um milhão de formas, escolheram os gritos do futebol. Tá na cara que, se for só assim, não vai dar em nada.

No jogo de estreia da Copa, por exemplo, escolheram xingar a Presidenta. O jeito mais chulo, sem-razão e abarrotado de senso comum que existe: a falta de educação. Num estádio superfaturado, onde morreram 8 operários por falta de segurança no desempenho dos trabalhos – segurança essa que faltou por ganância ou comodismo de empresas privadas – centenas de pessoas que provavelmente sonegam seus impostos, defendem a violência contra fiscais de trânsito e trombadinhas e cortaram fila pra entrar mais cedo no estádio gritam, estapafurdiamente, desaforos inócuos a uma pessoa que, independentemente de partido, classe social ou sexo é um semelhante. Mais do que isso, xingaram a Chefe do Poder Executivo do nosso próprio país. A questão esbarra em aspectos institucionais que passam muito longe da percepção de quem xingou: existe, disfarçado no ato, uma insubordinação à própria organização política do país, uma ofensa a princípios democráticos conquistados à muitas custas. E o fato de as mesmas bocas que cantaram o hino nacional apaixonadamente alguns minutos atrás, chorando junto com Júlio César e David Luiz, serem protagonistas de tais impropérios escancara o quanto estamos perdidos em nossas reivindicações.

O brasileiro não sabe, ainda, distinguir um argumento racional e verossímil da birra clássica do “quero e não posso ter”. Um comportamento infantil, de quem ainda precisa aprender a lidar com a frustração eventual, inerente a processos democráticos, para tentar influir de maneira positiva – ainda que radical, vez ou outra – na vida política do país. Por enquanto, o que vimos foi um chilique maciço de pessoas vergonhosamente mandando a chefe do executivo ir tomar em algum lugar, do mesmo jeito que fazem os torcedores de um time de futebol que sofre pênalti. Enquanto for assim, estaremos sempre na atitude passiva de torcedores sem educação e o juiz vai continuar mandando no jogo.