quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

E vamos falar sobre essa tão maltratada MÚSICA SERTANEJA (parte 04)



1980 e 1990 – Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano, Chrystian & Ralf


Fivelas sobrando
Eu me lembro da primeira vez em que vi o Leandro e Leonardo. No Faustão. Aliás, bem provavelmente, era a primeira vez em que ELES FORAM ao Faustão. Eu devia ter uns... sei lá... 4 ou 5 anos. A memória é bem vaga. Mas me lembro da sensação estranha de pensar: “espera ai! Esses caras não são a dupla sertaneja. A dupla é aquela do cara de cabelo esquisito e voz fina”. No auge da minha ignorância infantil, a única dupla que existia era Chitãozinho e Xororó – e só podia ter uma dupla. Depois que ouvi os novatos cantando, me conformei: “Ah bom, também tem voz fina”.

Os falsetes desesperados (aquelas vozes esganiçadas) entraram para o hall da fama do sertanejo no início dos anos 80, com o José e Durval (aliás, só fui descobrir que esse era o verdadeiro nome dos chitões em um filme dos Trapalhões – claro que passei a meia hora seguinte rachando de rir). Até então, existiam vozes finas e bem postadas, mas essa voz esganiçada (e que só faz sucesso desse jeito aqui no Brasil) era novidade até então. Iniciava-se a era dos 'mullets' também... esse tipo de cabelo que o McGyver, Daniel-San e mais um monte de personagens oitentistas colocaram em voga – e que a turma do sertanejo abraçou com entusiasmo.

Chitãozinho e Xororó foram a dupla de vanguarda na televisão brasileira. Foram os grandes responsáveis pela popularização maciça da música sertaneja – mas de uma forma que, já nessa época, deveria deixar de se chamar “música caipira”. Foram eles os primeiros a virar arroz de festa na Globo, principalmente como cantores nas músicas tema de novela. Também foram os principais responsáveis por começar a utilizar a guitarra com solos, no maior estilo heavy metal, na introdução das músicas – o que resultou numa mistura pra lá de cafona, bastante comum até a metade dos anos 90. Ouça a introdução de “Wasting Love”, do Iron Maiden, e a de “Toma Juízo”, do Zezé Di Camargo, ou “Entre Tapas e Beijos”, do Leandro e Leonardo. A premissa é a mesma: notas de guitarra em dueto, com intervalos musicais de terça. Não sei quem pensou nisso primeiro, mas a ideia definitivamente não foi boa.

Depois dos pais da Sandy e Júnior (hahaha, high five!), vieram Leandro e Leonardo, lá pra 1985, aproximadamente. Se a temática anterior já havia aproximado de modo bem meloso das estórias românticas, os irmãos plantadores de tomate do interior de Goiás terminaram de empurrar o carro pela ribanceira. Introduziram certo elemento erótico/sensual, com músicas de teor levemente picante. De qualquer forma, letras como “Tira essa roupa molhada / quero ser sua toalha /e o seu cobertor” ainda estavam bem longe do que hoje é considerado sexy (meu amigo, pega um Mr. Catra pra ouvir... Ou melhor, não!).

Olha a cabeleira do Zezé
Logo em seguida, no início dos anos 90, veio a onda Zezé Di Camargo e Luciano (ele, o Zezé, já havia tentado o sucesso com vários irmãos – Camargo e Camarguinho, Zazá e Zezé – e até carreira solo). Em relação à dupla de tomateiros, houve um sensível aumento de qualidade, tanto em conteúdo quanto musicalmente. O bolero entrou de sola, e a dupla dos camargos chegou a gravar com Julio Inglesias – e em espanhol!
Pasmem.

Interessante notar que, mesmo após a regravação da Maria Bethânia para o hit “É o amor”, do Zezé e Luciano, o estilo sertanejo remodelado à cidade ainda manteve-se à margem da sociedade. Nem mesmo o drama das mortes de João Paulo (1997), da dupla João Paulo e Daniel e de Leandro (1998), acompanhados em rede nacional, alavancaram o sucesso sertanejo às elites. Aliás, a Globo chegou a criar um especial - “AMIGOS” - somente com apresentações sertanejas, mas ainda assim as duplas conseguiam atingir, majoritariamente, apenas as classes C e D. Estive presente em um show do Zezé (não me pergunte o porquê) na Praça do Trabalhador, em Goiânia, e deu bem para reparar isso. Um público gigantesco! Mas pouca (ou nenhuma) gente das classes mais altas. Sertanejo, até metade pro fim dos anos 90, ainda era considerado “música de empregada” ou “de cabaré”. De certa forma, bom para a indústria fonográfica, claro! Mas isso não significava, necessariamente, a inclusão definitiva do gênero. (Pergunte a qualquer um o que achava do “Sabadão Sertanejo”, do SBT. Decadência total.)

Nessa época, “música caipira”, “sertanejo de raiz” e “moda de viola” já eram termos bem comuns para diferenciar os 'sertanejos-falsete' daqueles que foram a raiz do gênero.

Menção honrosa para Chrystian e Ralf – que terminaram de consolidar a moda country no sertanejo urbano – e Sandy e Junior, uma tentativa solitária e bem sucedida de inserir os elementos do gênero no meio infantil.


Desculpe, mas eu vou chorar
(Gabriel César Augusto)

As luzes da cidade acesas
Clareando a foto sobre a mesa
E eu comigo aqui trancado
nesse apartamento
Olhando o brilho dos faróis
Eu me pego a pensar em nós
voando na velocidade
do meu pensamento

E saio a te procurar
nas esquinas
em qualquer lugar
e as vezes chego a te encontrar
num gole de cerveja
E quando vem a lucidez
estou sozinho outra vez
E então volto a conversar
com minha tristeza

Vou chorar, desculpe mas eu vou chorar
Não ligue, se eu não te ligar
Faz parte dessa solidão
Vou chorar, desculpe mas eu vou chorar
Na hora em que você voltar
Perdoe o meu coração.

Tinha uma vizinha, lá no Parque das Laranjeiras, que atormentava a gente todo santo dia, encerando o chão da casa (no século passado, passavam cêra no chão das casas para brilhar mais!) e cantando essas preciosidades ai. Trauma até hoje.



Principais artistas do período: Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano, Chrystian e Ralf, Gian e Giovani, João Paulo e Daniel, Rick e Renner, Roberta Miranda, Chico Rey e Paraná, João Mineiro e Marciano, Gilberto e Gilmar, Nalva Aguiar, Trio Parada Dura, Almir Sater.

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