sábado, 7 de maio de 2011

CONTO - A NOITE DO NATAL (parte 01)

  
Era uma noite como outra qualquer. O relógio marcava 23h30. Rogério Natal dos Santos estava deitado no sofá da sala de seu apartamento, assistindo ao final de um jogo de futebol qualquer. Acostumara-se a ligar a TV nas quartas-feiras à noite, apenas pelo prazer da companhia do narrador. Desde que se divorciara, não aguentava a companhia de mais ninguém por mais de 40 minutos.

Não era muito comum, mas nessa noite, após o apito final, sentiu necessidade de sair. As paredes do condomínio estavam absurdamente frias esta noite. Foi ao Oliveira's, o bar de costume, no fim da rua.

Sentou na banqueta de sempre, junto ao balcão. Pediu ao Araújo, dono do bar, a dose de pinga e a cerveja de costume. Havia aproximadamente 15 anos que não pedia outra coisa. Aliás, dificilmente frequentava outro bar. Outro setor. Outra vida. Era a rotina medíocre de fotógrafo de eventos comerciais, até as 18 horas e após, às sextas-feiras, Oliveira's com pinga e cerveja. Se inventassem um oitavo dia da semana, só Deus sabe que conseqüências nefastas apareceriam.

Coincidentemente, nessa noite em especial, encontrou o Giovane sentado junto ao balcão. Eram colegas de empresa e, todas as sextas, costumavam tomar a mesma pinga com cerveja após o expediente. Uma Seresta para aquecer os ânimos, seguido de uma Original. Quando brigava com a esposa, Giovane pedia duas Serestas.

-      A primeira é pra compensar a saliva que eu perdi – dizia.

Naquela noite, mal avistou o colega, Giovane já foi galhofando:
-      Ae, Natal, hoje é dia de programa seu? Não sabia. Me desculpe por tomar seu ponto!
-      Vai se ferrar.
-      O futebol hoje estava insuportável, hein?
-      Não torço para o Fluminense.

Giovane acendeu um cigarro. Natal pediu um.
-      Beleza, mas você tá me devendo dois – respondeu Giovane, entregando o cigarro já aceso ao colega.
-      Vá se ferrar.

Natal sentou-se ao lado de Giovane, no balcão. O atendente deixou dois copinhos e uma garrafa aberta entre os dois.
-      Mas o futebol está realmente insuportável – falou Natal, depois de alguns minutos calado.
-      Para o papai aqui estar no bar num quarta-feira, o motivo só pode ser este.

Não se pode dizer que Natal fosse alcoólatra. Nem Giovane. Mas a vida de ambos era tão parada, tão sem-graça, que a única opção era ir para o bar. E no bar, logicamente, só lhes restava beber.
Natal estava chateado. Bebericando sua cerveja, Geovane notou e provocou:
-      Que foi, Rogéria? A menopausa chegou?
-      Vá se ferrar.
-      Não, sério... quê que está se passando, meu chapa?
-      Ah, coisas da vida. Tem uma fase que a gente fica meio se perguntando o quê que a gente fez da vida. Esqueci de fazer essa pergunta quando eu estava com quinze anos.
-      Bebe mais ai, cara. Isso passa.
-      É... estou bebendo desde os doze anos. Nunca passou.
-      E você sempre perguntou essa droga?
-      Não.
-      Então tá resolvido. Bebe mais que passa.
-      Passa não. Hoje, eu tenho que decidir o que vai ser da minha vida. Hoje, quarta-feira.
-      Relaxa.

Ficaram bebendo mais alguns minutos, em silêncio. Giovane retomou:
-      E aí, passou?
-      Será que, se eu inventar a receita, fico milionário?
-      Receita para quê, meu chapa?
-      Para ser feliz... parar de ficar preocupado, coisas assim.
-      Rapaz, a receita é ser milionário.

Mais alguns minutos em silêncio. Giovane recomeçou:
      -      Sabe, outro dia li numa revista que o segredo da felicidade é enfrentar seus medos.
      -      Duvido.
      -      Não, é sério. Dizem que, se você enfrentar seus medos, o resto fica fácil. A questão é escolher um medo por dia.
      -      Acredito não.
      -      É o que dizem. Eu não sei de nada.
      -      Pode ser.

O fato é que, a partir do segundo em que ouviu este pensamento da boca e Giovane, Natal começou a repensar toda a sua vida. Afinal, o sentido da vida não seria justamente não passar medo? Viver bem não seria justamente ter previsão e estabilidade em todas as coisas? O que o traria tanto medo?

Lembrou-se dos medos triviais. Medo de assalto. De morrer afogado. De galinha d'angola.

E, de repente, sem explicação, lembrou-se de quando seu pai disse que havia chegado o dia.

Natal morava no interior de São Paulo. Contava 11 anos quando, seguindo a tradição, seu pai lhe avisou que na semana seguinte, iriam na “casa das primas”. Segundo o pai, seria sua iniciação no mundo adulto. Deixaria a infância e adentraria o universo dos rapazes crescidos.

Passou a semana inteira imaginando o que seria entrar no mundo dos adultos. Lembrou-se do seriado de Kung-Fu que viu na TV, onde o aprendiz queimava os pulsos com símbolos orientais e ganhava o direito de treinar com os mestres. Será que seu pai o levaria para queimar os pulsos?

Na verdade, era um cabaré. E os efeitos durariam até os tempos de bar.

Era isso. Seu maior medo era sexo. Nunca se dera bem com mulheres. Claro, ninguém sabia, nem nunca saberia. Evitava até pensar no assunto, para não se lembrar também. Seu casamento acabara-se, principalmente, por conta disso. Aliás, pensando agora, não tinha nem idéia de como havia conseguido se casar, em primeiro lugar. O divórcio era mais do que esperado.

     -      O dia em que você superar todos os seus medos, você será um cara melhor. - disse Giovane.
     -      É impossível alguém superar todos os seus medos.
     -      Por isso ninguém é perfeito. Todo mundo tem medo! Mas dá para enfrentar seus principais medos sem ter que correr para o banheiro – e terminou a frase com uma gargalhada.

Natal ficou pensando por alguns minutos. Certamente, possuía diversos medos. Mas o medo mais legítimo, o receio mais profundo, certamente era lidar com mulheres. E era o que, talvez, lhe garantisse uma passagem para uma vida melhor.

     -      Pode ser qualquer medo?
     -      Sei lá. Nunca tentei não. Só tenho medo de ficar pobre e acho que isso não vai me ajudar a ficar rico não. Então não sei se acredito.

Depois de pensar mais uns minutos, Natal decidiu. Tinha que enfrentar seus medos. Não era comum um cara de 40 anos continuar solteiro. Tinha dinheiro, tinha um apartamento. Só faltava conhecer uma bela mulher latina, com seus 30 anos, para lhe completar a vida sentimental. Só.

Decidiu que, a primeira medida, seria perder seu medo do sexo. Do lado selvagem, do lado animal. E, para isso, tinha que treinar com profissionais. Checou a carteira e achou cinqüenta reais. Seria fácil. Todo mundo transa por cinqüenta reais, hoje em dia. O mundo está em crise.

Entretanto, não achou boa ideia compartilhar seus planos com Giovane. Foi para casa, com a nota de cinquenta reais na carteira.

No dia seguinte, foi para o Oliveira's novamente. Sabia que Giovane não estaria lá. Sentou-se na mesma banqueta, mas não pediu a pinga com cerveja.

-      Me vê um Dry Martini hoje, Araújo.

CONTINUA...

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