quinta-feira, 23 de maio de 2013

Depois de nove anos... (The Office Finale)







Eu já disse anteriormente, quando estava escrevendo sobre a despedida do Steve Carell (e de seu personagem, Michael Scott) de The Office, que episódios de despedida são arriscados. Por mais que o humor esteja presente, dar adeus nunca é fácil. E, se foi difícil dizer tchau a um personagem (ainda que este seja MICHAEL SCOTT!), o que dizer de todo um mundo, com seus dramas, características e carismas construídos no decorrer de 9 anos!

Muita gente não gostou do último episódio de The Office. Julgaram-no incoerente com o clima da série, excessivamente meloso, focado em lados distorcidos dos personagens, enfim, em uma palavra: frustrante. A meu ver, uma análise rasa.

A despedida de The Office não aconteceu apenas no último episódio. Em meio a constantes questionamentos sobre os rumos da série após a saída de Carell/Scott, diante da atemorizante queda de audiência (de 8 milhões para pouco mais de 4 milhões de espectadores nos EUA), o elenco e os produtores viveram as últimas duas temporadas sob a constante ameaça de cancelamento súbito, sem a oportunidade de desfecho da trama. Assim, quando restou claro que a 9ª temporada seria a última, toda ela foi dedicada a desconstruir, de maneira gradual, aquele mundo tão singular.

Como se sabe, a premissa da série é a de que estamos assistindo a um documentário feito sobre um escritório representante de vendas de papel e seus funcionários. No início, nos parece um documentário pronto e acabado. Mas, no decorrer dos anos, por diversas vezes fomos surpreendidos ao percebermos que, na verdade, o documentário ainda está sendo rodado. Testemunhamos tomadas sem edição e conversas dos funcionários com membros da equipe de filmagem, entrevistas interrompidas. Isso trouxe a visão do telespectador para fora da moldura que o documentário fictício queria impor, ampliando nosso conhecimento sobre a vida “real” dos personagens. O que deu a eles uma dimensão totalmente nova e mais humana.

Por outro lado, passados nove anos no ar, foi o gancho encontrado pelos produtores do show para iniciar a transição final e construir o desfecho. Cada vez mais, o enquadramento dado pelo documentário foi sendo colocado de lado, deixando à vista a vida real dos funcionários. O efeito foi o de que nos acostumamos de tal forma a observar a vida e rotina daquelas pessoas que, a partir de certo momento, o documentário em si passou a ser insuficiente. Fomos invadidos por suas vidas, seus dramas e anseios. A moldura, inevitavelmente, começou a cair. 

A primeira vez em que isso aconteceu de maneira impactante foi com a despedida de Michael Scott. Após 7 anos de convivência, assistimos ao adeus de Scott, e às lágrimas de Carell. Em diversos momentos, não sabíamos dizer se estávamos vendo um chefe dizendo adeus a seus funcionários, ou um ator se despedindo de seus colegas de elenco. Curiosamente, a desconstrução do clima de documentário foi feita de tal forma que, além de ampliarmos o foco para as vidas pessoais dos funcionários da empresa de papel, também começamos a conhecer uma pontinha de sentimentos também dos atores e atrizes. Eles próprios, em entrevistas de bastidores, confirmam a ambiguidade. Que, aliás, foi estabelecida propositalmente. As lágrimas que vimos foram reais (John Krasinski, o Jim, inclusive conta que, antes da sua cena final com Carell, chorou de maneira “vergonhosamente abundante”, em suas próprias palavras).

A partir de então, muitos dizem que o show perdeu qualidade. Obviamente, a ausência do carisma de Steve mudou bastante o clima dos episódios. Mas a ideia inicial da série, que poderia ser resumida em “Como seria trabalhar para o pior chefe do mundo?” (e que comprou para si mesmo uma caneca com os dizeres “Melhor chefe do mundo”), mudou bastante no decorrer das temporadas, e personagens, antes secundários, ganharam uma dimensão bem maior. As crianças de Michael Scott cresceram e ganharam pernas maiores. Com a sua saída, o grande desafio do elenco era continuar sustentando aquele mundo sem sua grande estrela. Quem captou a dimensão desse mundo percebeu que eles conseguiram. Dwight, Jim, Pam, Stanley, Kevin, Oscar, Angela e todos os novos personagens que entraram no decorrer dos anos (Erin!) também tinham seu carisma e acompanhá-los, em suas vidas pós-Michael, continuou sendo tão divertido quanto antes.

Na 9ª e última temporada, a desconstrução do mundo-documentário entrou em ritmo acelerado. A fusão dos personagens com a realidade foi aumentando com o tempo. Um dos momentos mais significativos ocorre quando percebemos que um dos câmeras, membro da equipe de filmagem do documentário, está apaixonado pela Pam. Seu jeito de focalizá-la quando está sozinha, demonstrando introspecção e cumplicidade com seus dramas pessoais, de início nos surpreende. Por fim, conhecemos o rosto desse câmera, que se envolve pessoalmente com a Pam, ao comprar uma briga dela.

Incidentes como esse permeiam todo o último ano. Frequentemente vemos equipamentos de filmagem aparecerem, mãos e pés de membros da equipe de filmagem, conversas entre eles e os funcionários do escritório. Por vezes, soa como puro desleixo daqueles que, durante nove anos, acompanharam, por trás das lentes, as aventuras vividas por aqueles funcionários. Resta evidente o fato de que, de maneira inquestionável, eles também fazem parte do show. Principalmente representando a nós, telespectadores. E a apresentação do documentário pronto ao público e à critica, que acontece em algum momento entre o penúltimo e o último episódio do show, coroa a transição para o “Finale”, um episódio especial de 50 minutos, em que o documentário em si deixa de ser importante. O foco vira-se todo para aos personagens (e, novamente a ambiguidade) e artistas. Risos e lágrimas fictícios e reais se confundem. O que vemos, fora da moldura imposta pelo documentário são colegas de trabalho se despedindo. Seja esse trabalho um escritório representante de vendas de papel, seja ele um set de filmagens.


O Finale


Esse episódio final foi, sem dúvida, o mais emocional de todos. E não poderia ser de outra forma. Afinal, é disso que tratam as despedidas.

Cronologicamente, se passa um ano após o penúltimo episódio (e a exibição do documentário final). Passamos a conhecer, pouco a pouco, onde foi parar cada personagem. Mas o grande mote do episódio é o casamento de Dwight e Angela.

Jim, escolhido como padrinho, está organizando a despedida de solteiro. O que, aliás, já nos traz a primeira surpresa agradável. Após anos pregando peças em Dwight, Jim reconhece a importância do amigo e decide pregar apenas “peças boas”. Na primeira, ele leva o noivo e seus amigos para um campo, onde oportuniza a Dwight dar um tiro de bazuca (um de seus sonhos). Em seguida, Jim leva todos para um jantar reservado, onde é a vez de apresentar uma stripper ao amigo. Dwight não entende muito bem o sentido da coisa, e a “pegadinha do bem” acaba sem o efeito desejado. Por fim, a noitada termina no bar do Kevin. Com isso, a pegadinha do Jim foi forçar as pazes entre o dono do bar e o noivo, que não se falavam desde que Dwight despediu Kevin.

Nos momentos anteriores à celebração do casamento, a última peça que Jim prega em Dwight. E um dos melhores momentos do episódio. Com os olhos úmidos, Jim confessa ao noivo que não pode ser seu padrinho. Mas que providenciou um substituto. Nesse momento, Dwight olha para a porta, onde Michael está parado. Emocionado, diz “Michael! I can't believe you came!”. Ao que ele responde “That's what she said”. Com mais uma de suas olhadas para a câmera, Jim fala “Best prank ever." Deixei sem tradução, porque perderia o sentido da piada completamente.

Foram poucas as aparições de Michael durante o episódio, e menos ainda suas falas. Mas foi o suficiente para matarmos um pouco da saudade que o personagem deixou. Em sua última fala, olhando para Jim, Pam, Dwight e Angela, diz de maneira ao mesmo tempo carinhosa, ingênua, emocionada e bem-humorada: “Me sinto como se todas as minhas crianças tivessem crescido e então se casaram umas com as outras. É o sonho de qualquer pai.”

E conforme o tempo de vídeo vai passando, sentimos que os nove anos de série estão chegando ao final. A última fala de Andy Bernard (Ed Helms) resume o sentimento nostálgico das últimas cenas. Queria que houvesse uma forma de saber que estamos vivendo nossos anos áureos, antes de eles terem terminado”.

O pós-festa de casamento, no armazém do escritório, reúne os funcionários pela última vez em seu ambiente de trabalho. Curiosamente, percebemos vários membros da equipe real de produção do seriado misturados ao elenco. Inclusive o produtor executivo, Greg Daniels, infiltrado na foto oficial final. A ficção toma rumos à sua fusão inevitável com a realidade, o momento no qual deixará de existir.

Discretamente, os funcionários começam a deixar o armazém e caminhar para a sede do escritório, onde farão sua reunião final em reservado. Cada qual em seu cantinho de origem, sua mesa, o lugar onde pertenceram pelos últimos nove anos. Novamente, torna-se ambíguo e difícil dizer onde terminam os personagens e começam os artistas que os interpretam. Ali, reunidos e embalados pela bonita canção de Creed Bratton (escrita por ele próprio), reconhecem a importância de todo o tempo que passaram juntos, e do quão maravilhoso, apesar de entediante e cansativo, foi trabalhar na Dunder Mifflin por todo esse tempo. Creed resume bem: Não importa como você chegou lá, ou onde foi terminar. Seres humanos têm esse dom milagroso de fazer de qualquer lugar o seu lar”. E ali, terminava o lar daqueles personagens/artistas. Agora, cada um toma seu rumo.

No fim das contas, o grande barato de The Office (tanto a versão britânica original quanto a americana) foi conseguir transformar a rotina maçante e entediante de um escritório comum em algo engraçado e peculiar de se ver. No decorrer de nove anos, assistimos pessoas comuns se transformarem em personagens carismáticos, com suas características inconfundíveis. E as vimos transformar seu ambiente de trabalho em seus lares, colegas de trabalho em companheiros de vida. E se aproximaram de nós justamente por isso. É o que todos nós fazemos, todos os dias de nossas vidas. 
 
Na última cena, todos deixam o escritório. Pam é a última. Retira da parede o quadro com uma pintura que fez da faixada do prédio, há vários anos atrás. “Há muita beleza nas coisas comuns.” escutamos sua voz. “Não é esse o objetivo de tudo isso?”

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