quinta-feira, 16 de junho de 2011

Sobre a Liberdade de Expressão





Um dia, Voltaire disse: “Não concordo com uma só palavra do que dizes. Mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”. E, desde então, as pessoas vêm repetindo essas palavras incansavelmente, no decorrer dos séculos e séculos, muitas vezes sem entender o real sentido da expressão. É uma das frases mais pesquisadas e citadas no Google.

Na época em que a expressão foi usada pela primeira vez, a França enfrentava o auge do absolutismo. As pessoas comuns (leia-se, que não tinham nenhum título de nobreza, nem riqueza) viviam espremidas entre o cetro do rei e o peso da bíblia. De um lado, as espadas da guarda real, do outro, a ira divina. Era obedecer ou morrer e ir para o inferno. E Voltaire cunhou a expressão, defendendo a submissão à lei e o desapego às tradições e superstições. Todos, sem exceção, deveriam agir nos critérios impostos por uma lei anteriormente apresentada. Se o mais alto dos reis a desobedecesse, seria apenas mais um "salteador de estrada ao qual se chama de 'Sua Majestade'", nos dizeres do próprio iluminista.

Essa semana, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou sobre a polêmica “Marcha da Maconha”. Depois de muito se discutir sobre a legalidade ou não do movimento, os reais e falsos objetivos, os envolvidos - e toda a poeira que se levanta sempre que alguém menciona a palavra “Maconha”- chegou-se à conclusão de que o movimento é legítimo e legal. No fim de todo o rebuliço, o STF se pronunciou respeitando o bom-senso: a “Marcha da Maconha” está em perfeita consonância com os ditames Constitucionais. E ai veio a chuva de críticas.

A primeira falha, ao meu ver, é no nome do movimento. "Marcha da Maconha"? Dá para entender errado mesmo. Tinha que ser "Marcha pela Regulamentação do Uso da Maconha", ou algo do gênero.

A nossa Constituição Federal, promulgada em 1988, logo após o regime ditatorial, é considerada por muitos como uma das maiores conquistas do povo brasileiro. Tem o apelido de Constituição Cidadã. E lá, está disposto de forma clara que é livre a manifestação de pensamento (art. 5º, inciso IV), bem como que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente (art. 5º, inciso XVI). Ou seja, direito de livre expressão e livre reunião.

Inicialmente, cabe esclarecimentos de que as pessoas envolvidas na discussão de forma séria dividem-se em dois grupos: os que acreditam que problemas como o tráfico de drogas e de armas, a violência e a corrupção não estão sendo satisfatoriamente resolvidos de acordo com os sistemas de combate atualmente adotados. Assim, uma ampla discussão deve ser feita no sentido de se achar novas maneiras de combate e, uma dessas formas, seria a regulamentação do uso da maconha, seja para uso medicinal, seja para o controle efetivo do governo (meios de produção, distribuição, tributação, etc). O outro grupo defende que qualquer manifestação acerca da regulamentação da maconha, em qualquer circunstância, seria apologia ao crime, já que o uso de drogas está previsto como crime em lei específica. E defendem, obviamente, que a situação deve permanecer assim, já que consideram o uso da maconha como prejudicial à sociedade, à saúde e aos bons costumes.

No meio dessa salada toda, bagunçando, estão as opiniões preconceituosas e as oportunistas. Movimento de maconheiro de um lado. Movimento para a liberação da diversão do outro. Uns aproveitam para defender suas famílias, apontando o fim do mundo que desfila das ruas. Outros aproveitam para abastecer seus carregamentos e fumar em paz no meio da muvuca do calçadão de Ipanema.

Cada um pensando no seu próprio umbigo.

É como a Marina diz: O que não podemos esquecer é que os baderneiros (tá, grude seu rótulo, chame de “maconheiros”, “marginais”, se quiser. Que seja!) existem em qualquer movimento social e são seu calcanhar de Aquiles. Seja no MST, na Marcha da Maconha, nas torcidas organizadas, sempre vão existir pessoas desvirtuando esses movimentos. É onde surge o ponto fácil de ser criticado. E a opinião pública é manipulada (e, muitas vezes, manipuladora) em cima desses pontos fracos. Quem não se aprofunda no tema pode se apegar facilmente a essas “alças” de discussão e pré-fabricar sua opinião.

Enquanto isso, os verdadeiros problemas persistem.

O STF fez muito bem. Não estamos adentrando no mérito da questão: Legaliza ou não? Libera ou não? Discriminaliza ou não? A questão não é essa. O fato é que, sendo um movimento pacífico, que prega a discussão de um problema social grave, em perfeita consonância com a Constituição, todo mundo deveria defender até a morte o direito das pessoas em participar ou não da manifestação, mesmo que não concorde de maneira alguma com o que está sendo dito. Ou você faz isso, ou então para de ficar citando Voltaire, pelo amor de Deus, já que você não concorda com ele.

SOBRE A OPINIÃO PÚBLICA: A dificuldade em se cumprir a lei, pelo Estado, está na mentalidade absolutista dos administradores. Mas por parte da população, está na submissão a tradições, superstições, fanatismos e costumes, muitas vezes arcaicos. Não basta que a lei evolua. A mentalidade das pessoas, suas crenças e tradições, também devem crescer. Não adianta termos a legislação mais avançada do mundo, se as pessoas continuam se esquivando dos problemas para andar em suas Tupperwares (lê-se Táper Uéres! HeuEHUe) com ar-condicionado, vivendo em suas penitenciárias privadas. Levando um susto toda vez que alguém fala “Maconha”, ou “Força Jovem” ou “MST”. Era exatamente contra isso que Voltaire lutava, lá na França do século XVIII – e enfrentaria dificuldades até hoje, talvez maiores ainda!

É fácil empurrar a sujeira para baixo do carpete. É confortável não tocar na ferida, quando a parte ruim do problema não te atinge. E é fácil citar Voltaire pra cima e pra baixo, achar bonito, colocar na folha de rosto do trabalho de conclusão de curso. Realmente acreditar no que está dizendo e colocar em prática, é outra história. Falar e não fazer se chama preguiça. Ou hipocrisia. Você escolhe.

Aposto que, depois de ler esse texto, vai ter gente me chamando de maconheiro. Mesmo eu nunca tendo usado qualquer tipo de droga. Nem pretendendo fazê-lo. Pra você ver como funciona a coisa.

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