Levou um tapa na cara assim que falou aquilo.
- Você vai aprender a me respeitar, moleque.
- Mas, mãe, eu só disse que você anda chata pra caralho. É verdade! Olha aí o tapa pra com--
E mais um bofetão, nem bem terminara a frase. No maior estilo Dona Florinda. Ficou sem entender o porquê de ter sido tão sincero com a mãe, assim de repente.
- E, João Guilherme! Não quero ouvir mais um pio! Sai da minha frente.
Era sério aquilo. Poderia lhe trazer problemas. Geralmente, falava a verdade pra provocar, ferir, magoar. Era assim que funcionava, não é? O tal do "jogar na cara". A verdade como carta na manga. Mas, por outro lado, dita assim sem segundas intenções, abria uma série de novas possibilidades.
E foi tentar na escola também.
- Professora, eu não fiz a lição porque acho matemática uma bosta.
- Então, Leonardo, que tênis de gay pobre é esse seu aí.
- Vanessa, cala essa voz desgramada sua, que ninguém é obrigado a ouvir.
- Tia Lurdes, lava a mão antes de me dar o salgado, que eu não sei onde você tava enfiando ela.
- Sim, eu gosto do Rodrigo Constantino.
- Sim, eu gosto do Rodrigo Constantino.
Aquilo tudo tava bem divertido, uma sensação boa de liberdade e potência. Cada vítima de suas verdades tinha as próprias mentiras para se preocupar. Ninguém tinha armas o suficiente para revidar. Ou talvez fossem seus 1,70 metros, no auge da explosão hormonal, que botassem certa banca.
E continuou assim o dia inteiro. Até que encheu o saco. Precisava de desafios maiores, mais adrenalina. Talvez enfrentar alguma resistência, testar reações. Foi para a sala do diretor.
- Então, dr. Emival... Tô num humor especialmente bom hoje, dai queria pedir pro sr. não incomodar as aulas hoje. Não aparecer nas salas dando aviso, nem nada. É ruim pra desgraça, ninguém gosta, e não ajuda nada.
O diretor encarou o adolescente, meio incrédulo.
Depois da diretoria, ainda abordou o Roberto bedel, fez uma reclamação contra a turma da limpeza na coordenação e bombardeou alguns alunos novatos que jogavam bola no pátio. Atirava verdades cada vez mais recheadas de palavrões e inconveniências, sem calcular preço ou impacto.
No fim do dia, cansado mas satisfeito, dobrou o corredor rumo ao portão da saída. Já planejava o dia seguinte, distribuiria dardos despretensiosamente venenosos logo cedo pela padaria. Percorreria pontos de ônibus, drogarias, faria um tour pela cidade pra sentir a reação de estranhos. Conquistaria grandes aglomerações - cinema, shopping, estádio de futebol. Quem sabe, algum estúdio de televisão. Por fim, atacaria a própria família. A fronteira final.
Antes de chegar ao fim do corredor, entretanto, num canto especialmente escuro, levou uma gravata por trás. Não viu quem era, mas um sujeito gordo cheirando a vicky vaporub o jogou no chão e chutou suas costelas. Levou diversos socos no estômago e no rosto. Sentiu a cusparada quente no rosto. Pisando na sua mão, o gordo camuflado aproximou-se do ouvido do garoto:
- Então... seu porra! Tu é um desgraçado filho da mãe. Tá se achando bonito demais? Tu é um escroto. Ninguém precisa das suas verdades não. Enfia um pouco de educação nessa sua bunda fedorenta e tenha mais respeito pelos outros. Senão amanhã vai apanhar de novo.
A sombra obesa sumiu no corredor.
João Guilherme catou o que restou da dignidade no chão e foi embora pedir desculpas para a mãe.
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