segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Caldas Country é mais rock'n'roll que o Pablo Kossa



Mick Jagger, até hoje, diz que um dos episódios mais nefastos da história dos Rolling Stones foi o evento ocorrido em Altamont, na Califórnia, em 1969.
No dia 6 de dezembro daquele ano, os Stones promoveram um mega concerto em Altamont Speedway, um autódromo no meio do deserto, com entrada livre para quem quisesse ir. A ampla divulgação nas rádios da época levou cerca de 300 mil pessoas ao local, bem mais do que a quantidade esperada pelos organizadores.
Na programação, além do grupo de Mick Jagger e Keith Richards, ainda estava prevista a aparição de Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e Grateful Dead. A segurança ficou por conta do bando de motoqueiros Hell's Angels.
 
Dizem que os Angels foram contratados diretamente pelo produtor dos Stones, para realizar unicamente a segurança do grupo, não do evento todo. O pagamento, só o dinheiro da cerveja.

A bagunça foi enorme. Imagine só que o público recorde do Rock In Rio, em 2001, com o show do Red Hot Chilli Peppers, foi de 250 mil pessoas. Com a organização do Medina, numa Cidade do Rock construída especialmente para o evento. Agora imagine, em 1969, aproximadamente 300 mil pessoas no meio do deserto da Califórnia, com a segurança feita pelos Hell's Angels! Os caras usaram as próprias motos como barricada para conter o público à frente do palco. Só podia dar rolo.

E quando deu o rolo, morreu gente. Várias pessoas foram pisoteadas, muita gente tomou porrada dos motoqueiros, uma grávida (o que ela tava fazendo num show dos Stones, em 69, para 300 mil pessoas?) levou uma garrafada na cabeça e foi internada com traumatismo craniano e quatro homens morreram, dentre eles, Meredith Hunter, um produtor musical controverso. Esfaqueado até a morte por um dos Angels.


  
A confusão foi parcialmente documentada no filme “Gimme Shelter”, lançado em 1970. Dá pena ver a cara de Richards e companhia assistindo às cenas da confusão, no videotape. O mundo do rock parou, aturdido com o poder de mobilização que possuía. E que podia ser mortal.


Era o auge da Era de Aquário. Aproximadamente 4 meses antes, entre os dias 15 e 18 de agosto, a primeira edição do Festival de Woodstock tinha balançado os conceitos morais e musicais da sociedade da época. Enfim, vivíamos a época mais rock 'n' roll da humanidade. Desfilavam, por Londres e Nova York, Hendrix, Joplin, Jagger, Richards, Lennon, Dylan, no ápice de suas criatividades. Marilyn Manson ainda usava fraldas.

Não é papo de saudosista, até porque eu nunca vivi naquela época. Mas as drogas (na maioria absoluta dos casos, maconha e haxixe) eram muito mais fracas (e mais naturais). Cientificamente comprovado. O sexo e a música eram utilizados como forma de chamar a atenção para a parte boa, saudável e produtiva da vida – o oposto da guerra (física e ideológica). Faça amor, não faça guerra.



E dai, de repente, abro a internet e vejo um texto com o título “Caldas Country é mais rock'n'roll que você”. (Por Pablo Kossa – disponível em http://www.aredacao.com.br/colunas/21436/pablo-kossa/caldas-country-e-mais-rock-n-roll-que-voce). Praticamente um jargão, repetido em tom de brincadeira por qualquer um que visse as fotos inusitadas que rodaram pela internet após o evento em Caldas Novas. E reciclado pelo Pablo Kossa.

Vivemos numa época em que o enfrentamento a determinados valores é feito por puro modismo. Ou pra polemizar. É 'cool' questionar a esmo. Enfrentar os pais, esfregar sua preferência sexual na cara dos outros (principalmente os héteros). Não se sensibilizar com a morte ou o prejuízo alheios. Mostrar que é bem resolvido na vida e dono da própria bunda. E postar tudo no twitter.

A falta de educação impera em todos os lugares. E o que vemos são crianças mimadas, que não aceitam 'não' como resposta. Mentes pueris em corpos sarados. Não curtem música. Curtem algum barulho que abafe, temporariamente, algum pouco bom senso existente e os deixe fazer bagunça em paz. E estão dispostos a pagar por isso.

Ai surge o Caldas Country. Com todo o respeito a alguns poucos artistas que se apresentam por lá (sim, porque a maioria é um bando de aproveitadores de onomatopéias): Não se iludam. Ninguém está lá para escutar vocês.

Sem os pais por perto, o bonde da criançada apronta na cidade. O que vemos é diversão de criança mimada: violência gratuita, birra, prostituição em alta, estupros. Morte, sexo explícito, um zoológico a céu aberto. Vemos a selvageria, a regressão da condição humana a patamares mínimos, sem a baliza da civilidade. E o principal: sem objetivo. Diversão a todo custo. Até agora não consigo entender o que levou um cara a destruir o próprio carro. Subiu em cima, sambou, pulou, quebrou vidros e, por fim, ateou fogo. Uma brincadeira de mais de R$40.000,00.

E ai, vem um texto me dizer que o Caldas Country é mais rock'n'roll que eu. Para mim, o autor não entende nada de rock.

Qualquer pessoa sabe (ou precisa saber) que o rock, de modo geral, é um tipo de atitude, de pensamento de vida, aliado à música. É questionamento constante, inconformismo. Vontade de liberdade, diversão, prazer. É o desafio a valores vigentes. Rebeldia. Tudo regado a amplas doses de consciência política, social, individual. Ainda que fale de amor.
Quer identificar a essência rock'n'roll em alguma coisa? Postura. Analise o contexto da obra, a paisagem, a pintura maior. Geralmente, o rock é do contra, e tem excelentes motivos para tanto. Desde o questionamento social de Bob Dylan, até o inconformismo individual de Kurt Cobain. E não se esqueça da música, pelo amor de Deus. Música.

Preciso falar sobre Caldas Country? Mesmo? Não vou nem dizer que ali, ninguém sabe o que quer, ou onde quer chegar. Só quer o prazer. E não há música. Sim, ela está tocando! Mas ninguém ouve. Não vou citar a violência gratuita que deixaria qualquer “Glimmer Twins” se esquecerem dos Hell's Angels. Não vou citar os atos de sexo banal praticados explicitamente, na frente de câmeras de smartfones, para afirmar sabe-se lá o quê, para sabe-se lá quem.

O Rock é o desafio. É a luta contra a correnteza. O Caldas Country é apenas a confirmação de toda a falta de valores e de motivos que tomam conta de mais de uma geração. É a confirmação do que existe de mais podre na nossa sociedade e que, um dia, há de passar. É a própria correnteza, em si.
 O Rock é a rebeldia contra Caldas Countrys.

Então, Pablo Kossa, ouça mais rock. Leia mais. E pare de falar asneiras. Ou então, tire o chapéu do armário e junte-se aos demais pseudo-rockers, lá em Caldas, ano que vem.
Qualquer pessoa é mais rock'n'roll que o Caldas Country.

7 comentários:

  1. Resposta inteligente ao argumento do Pablo Kossa. Parabéns! Sem mais Meritíssimo!

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  2. Excelente texto, concordo com vc. Sociedade sem regras, sem valores.. não tem nada de rock aí. Não é a primeira vez que esse jornalista fala bobagem.

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  3. Texto ruim. Opinião hipócrita. Se quer discordar do texto do Pablo Kossa,tudo bem. Nem eu defendo. Mas, pelo menos, ele teve a decência de não se fazer de pudico julgando sexo ou drogas. Por que, pra você, sexo e drogas eram mais 'massa" nos anos 60? Porque eram seus artistas preferidos que usavam ou faziam ou os fãs deles? Então, aqui, vemos um "partidarismo" em seu texto. Temos a sociedade que merecemos. Estude mais e entenda que a sociedade se transforma com os anos. Comparar é burrice! Infelizmente educação, respeito, ética faltam em muito lugar. Em qualquer lugar. E seu texto começa a ser irritante quando preconceituosamente você fala que o público do Caldas Country não quer nada, não sabe ouvir música. Bem, eu gosto de rock e só vou em eventos desse tema. O que tem de gente babaca. Então, meu caro, gente imbecil existe em todo lugar. Inclusive escrevendo textos idiotas. Sem falsos moralismos, por favor.

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    1. Caro "Anônimo",

      Antes de mais nada, esse é um blog de opinião. Não é minha pretensão fazer abordagens jornalísticas sobre os temas aqui apresentados, até porque não tenho formação para tanto. O que você leu é a minha opinião. E é justamente por isso que sua opinião (ainda que com uma levada desnecessariamente agressiva) também é bem-vinda. Fico feliz em saber que isso que você escreveu não é só para polemizar. Bons argumentos são bem-vindos sempre!

      Só para esclarecer, em momento algum eu escrevi sobre o Pablo Kossa. O respeito, e à opinião dele. Mas discordo MUITO. Veementemente.

      Acho que você deu uma atropelada geral nos argumentos, no que se refere a sexo e drogas. Em momento algum eu disse que eles eram mais "massa" nos anos 60. Drogas são sempre drogas e sexo, sempre sexo. São elementos que podem ser utilizados em vários contextos. E naquela época, os artistas (que, sim, são meus favoritos) e a sociedade dita alternativa os usava com uma conotação diferente. Queriam passar uma mensagem. E isso compõe a história do rock. Muita gente (como o Pablo Kossa) acha que era orgia, pura e simplesmente, mas existia um sentido atrelado àquilo. Era diferente do que foi visto no Caldas Country, hoje.

      E aqui, talvez você tenha confundido mais uma vez. O que eu defendo, ao contrário do que você disse, é que houve mudança na sociedade. Nesse aspecto, para pior. O Pablo Kossa acha que não. Para ele, as drogas e o sexo daquela época são praticados absolutamente do mesmo jeito que agora, e representam a mentalidade rock'n'roll. E eu acho que não. Muita coisa mudou. Sexo e drogas são elementos como quaisquer outros, que podem ser usufruídos em vários contextos, inclusive no contexto rock.

      E, sim, infelizmente, temos a sociedade que merecemos. Ou que a maioria merece (e escolhe). Mas mudanças podem ser comparadas e utilizadas a nosso favor. O que era bom e ruim, antes, que mudou hoje? Não comparar é burrice. É querer cometer os mesmos erros do passado.

      Por fim, tenho que reconhecer que, faltou clareza no que eu escrevi, no que concerne ao chamado "Caldas Country". Digamos que tenha sido uma metonímia mal explicada, por parte minha e do Pablo Kossa. Talvez você não seja de Goiás e não tenha visto o grau de excessos cometidos na edição desse ano. Quando eu e ele nos referimos ao festival, falamos disso. Puramente dos excessos. Sim, deveríamos ter sido mais claros, porque inevitavelmente acabamos incluindo no bolo pessoas que foram apenas para curtir a festa, as músicas e seus artistas favoritos. São poucos! Eu te garanto! Mas, é verdade, eles existem e houve uma generalização injusta ai.

      Mas, pra corrigir, tente reler os textos, meu e dele, sem se esquecer do assunto principal. Os excessos. O que ele diz ser mais rock'n'roll que eu (e você).

      Quanto a me considerar "hipócrita", "falso moralista" ou "pudico", eu retribuo a você com "contraditório". Você não me conhece. E se me julga sem conhecer, está sendo preconceituoso tanto quanto me acusa ser.

      Apareça sempre!

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  4. Não tinha o lido o texto do Pablo pq não gosto dos textos dele a um bom tempo. Fui ler somente após ler esse texto e fiquei "de cara" que ser humano deprimente. Parabéns pelo excelente texto João Paulo. Abraços!

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  5. É cara acho que você ta precisando ler mais sobre o rock. "Drogas mais naturais" hahaha o LSD na época devia ter uma concentração pelo menos 50x maior, e citar "comprovado cientificamente" sem citar ao menos a fonte é achar que o leitor é burro.
    Veja sobre o rock e suas várias vertentes, e vai ver que passa longe só disto que você falou.
    E que fique claro não frequento caldas country e não gosto de música sertaneja, mas sério ODEIO gente conservadora, assim como todos aqueles que adoravam o rock. A sua imagem é a mesma daquelas pessoas que criticavam quem gostava de rock na época, as pessoas não perecebem que esse ciclo de ódio nunca acaba.

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  6. Caro Eugênio,

    Quando eu falo sobre a diferença de potência dos efeitos das drogas, principalmente da Maconha, em 1969 e hoje, me refiro basicamente ao modo como são produzidas essas drogas. Antes, poucos componentes eram misturados, o que conferia um aspecto mais puro à substância. Hoje, misturam-se diversos materiais para fazerem a "massa render", o que potencializa seus efeitos e, frequentemente, traz ´problemas muito mais sérios à saúde do usuário.

    Um estudo publicado em 2000 no Journal of Forensic Sciences concluiu que a potência da maconha confiscada nos Estados Unidos passou de cerca de 3,3% em 1983 e 1984 para 4,47% em 1997. Amplie esse lapso temporal para 1969 e 2012, que você terá uma idéia do grau da mudança. Procure a fonte na edição nº. 45, do Journal of Forensic Sciences, de 1 de janeiro de 2000. O estudo é assinado pelo dr. Ross ElSohly.

    Por outro lado, em 1969, além da maconha e do haxixe, também existiam LSD, Cocaína, Ópio, Morfina (a derivada, Heroína, ainda não existia), dentre tantas outras. Usuários para todas elas, obviamente, existiam. Mas, além de não serem tão populares, não ficaram vinculadas aos ideais do movimento rock/hippie.

    O LSD, citado por você, também conhecido como "ácido", havia sido "descoberto" apenas em 1938. Não era, nem de perto, tão popular quanto a maconha e o haxixe (que possuem registros de uso anteriores a 6000 a.C.), quando nos referimos ao movimento "Rock'n'roll Peace and Love" (apesar das campanhas do Timothy Leary). Era uma droga muito mais popular entre estudantes, adeptos do movimento psicodélico e junto aos meios literários. Talvez você esteja confundindo com a história do rock porque, durante um tempo, essa droga ficou bastante associada ao Pink Floyd. Mas não estava vinculada da mesma forma ao movimento hippie e ao "Faça amor, não faça guerra", apesar de também ser utilizada por hippies. Eles (hippies) precisavam escolher um ícone que simbolizasse a contracultura. Escolheram o cigarro de maconha (ilegal), em oposição ao cigarro de tabaco (legal).

    Mas esses caras todos (Hendrix, Joplin, Jagger, etc), certamente devem ter feito uso de tudo quanto é substância que se possa injetar ou fumar. Isso não discuto. E nunca disse o contrário. Peguei o exemplo
    da maconha apenas para ilustrar o fato de que, no passado, determinadas condutas traziam uma simbologia.
    Hoje, não.

    Vale lembrar que eu não estou defendendo legalização ou aceitação de consumo de drogas. Meu único objetivo é mostrar a diferença de ideologias.

    Mas o texto não é especificamente sobre as drogas, ou sobre o sexo. É sobre o modo como esses elementos são articulados para determinados fins. Como eu já disse, sexo, drogas, música, são elementos que podem tomar diversas conotações, dependendo do modo como são apresentados.

    Em relação a ser conservador, progressista, reacionário ou revolucionário, seu comentário não ficou muito claro para mim. Você diz que odeia conservadores e odeia aqueles que adoravam o rock (figuras totalmente antagônicas). Também diz que minha imagem é a mesma dos que criticavam o rock antigamente (sendo que o texto é, explicitamente, pró-rock). Aliás, não sei se você percebeu, meu texto não fala absolutamente nada sobre sertanejo, ou sobre eventos sertanejos. Fala sobre a conduta de determinadas pessoas que frequentaram UM dos eventos sertanejos mais badalados do ano. Fala sobre os excessos cometidos por essas determinadas pessoas. O Pablo Kossa acha que dá pra vincular essa conduta ao rock'n'roll. Eu acho que não. Não tem segredo. Talvez a metonímia não tenha ficado muito clara (tanto no meu texto quanto no do Pablo).

    De qualquer forma, obrigado pela participação! Volte sempre!
    Abraço!

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