sábado, 19 de fevereiro de 2011

Briga de Mano (PARTE 02)

“Rock'n'Raul”, apresentada por Caetano Veloso ao vivo, no Programa do Jô, no fim das contas, era uma crítica contra os brasileiros que, de um modo geral, sonham em ser americanos. Faz parte do velho discurso tropicalista, em oposição à aceitação automática de tudo quanto é produto importado, principalmente os culturais. De certa forma, a mensagem é a de que Raul Seixas era um colonizado movido a drogas.

E agora, no programa do Jô, ao vivo, Caetano deixou implícito que a crítica a Raul Seixas também se estendia ao Lobão.

Perguntado posteriormente por um repórter da Folha, Lobão respondeu: "Eu nunca mais ouvi aquela música, foi só naquele momento. Várias coisas pegaram na letra: é uma homenagem escorregadia, ambígua, ele não pode fazer uma homenagem a um grande inimigo dele, que está enterrado e não pode falar nada”.

A bala perdida que Caetano dedicou ao Lobão era uma crítica direta a toda a sua carreira, construída em cima de um estilo musical copiado dos gringos – o rock'n'roll – alienado por drogas e polêmicas. Uma crítica que se estendia a Lobão e a toda a geração de roqueiros brasileiros. “Isso não é verdade, ele estava me incluindo. Eu levantei e falei que algo estava errado. Rapidamente, ele falou sobre detalhes delicados da minha vida, com quem eu estudei e como foi minha formação.”, declarou Lobão.

E não deixou por menos. O cantor carioca decidiu entrar no jogo e pagou com a mesma moeda. Em seu disco “2001 – Uma odisséia no Universo Paralelo”, dá o troco com a música “Para o mano Caetano”:

Para Mano Caetano
Lobão

O que fazer do ouro-de-tolo
Quando um doce bardo brada à toda a brida,
Em velas pandas, suas esquisitas rimas?
Geografia de verdades, Guanabaras postiças
Saudades banguelas, tropicais preguiças?

A boca cheia de dentes
De um implacável sorriso
Morre a cada instante
Que devora a voz do morto, e com isso,
Ressuscita vampira, sem o menor aviso

A voz do morto que não presta depoimento
Perpetua seu silêncio de esquecimento
Na lápide pós-moderna do eterno desalento:

E é o Raul, é o Jackson, é o povo brasileiro
É o hip hop, a entropia, entropicália do pandeiro
Do passado e do futuro, sem presente nem devir

É o puteiro que os canalhas
Não conseguem habitar mas cafetinam
É a beleza de veludo
Que o sub-mundo tem pra dar mas os canalhas subestimam

E regurgitando territórios-corrimões
De um rebolado agonizante
Resta o glamour fim-de-festa-ACM
De um império do Medo carnavalizante

Será que a hora é essa?
A boca cheia de dentes vaticina:
Não pros mano, Não pras mina
Sim pro meu umbigo, meu abrigo
Minhas tetas profanadas
Santo Amaro doce amaro, vacas purificadas

Amaro bárbaro, Dândi-dendê
Minhas narinas ao relento
Cumulando de bundões que, por anos acalento
Estes sim, um monte de zé-mané
Que sob minha égide se transformam em gênios
Sem quê nem porquê

Sobrancelho Victor Mature
Delineando barravento
Eu,americano? não. Baiano.
Soy lobo por ti Hollywood
Quem puder me desnature
Sob o sol de Copacabana

E eu soy lobo-bolo? lobo-bolo
Tipo, pra rimar com ouro-de-tolo?
Oh, Narciso Peixe Ornamental!
Tease me, tease me outra vez
Ou em banto baiano
Ou em português de Portugal
Se quiser, até mesmo em americano
De Natal

Isso é língua!
Língua é festa!
Que um involuntário da fátria
Com certeza me empresta

Numa canção de exílio manifesta
Aquele banzo baiano
Meu amado Caetano
Me ensinando a falar inglês
London, London
E verdades, que eu, Lobón contesto
Como empolgado aprendiz
Enviando esta aresta
A quem tanto me disse e diz:

Amado Caetano: Chega de verdade
Viva alguns enganos
Viva o samba, meio troncho,
Meio já cambaleando
A bossa já não é tão nova
Como pensam os americanos
A tropicália será sempre o nosso
Sargeant Pepper pós baiano
O Roque errou, você sabe,
Digo isso sem engano

E eu sei que vou te amar, seja lá como for, portanto
Um beijo no seu lado super bacana
Uma borracha no dark side-macbeth-ACM, por enquanto
Ah! já ia me esquecendo! lembranças do ariano
Lupicínias saudações aqui do mano,
Esta bala perdida que te fala, rapá! Te amo, te amo 

A música começa a partir do minuto 1:44

Lançada na mesma época em que Caetano Veloso polemizou ao cantar “Um tapinha não dói”, funk carioca, em pleno Canecão, a música era uma verdadeira rajada de balas contra o endeusamento da MPB, a mitificação da Bossa Nova e o pensamento isolacionista do tropicalismo, chegando a sugerir que o músico baiano era conivente com as agruras praticadas pelo governo ACM. E feita no mais puro estilo rock'n'roll, com guitarras pesadas, batidas fortes, “uma porrada na cara”, como diria o próprio Lobão.

Fazendo contraponto à critica feita por Caetano ao rock brasileiro, Lobão declara a falência da bossa nova, criticando a falta de criatividade de artistas pertencentes a um gênero inexistente – a MPB. Conforme ele mesmo disse: faço música, eu sou popular e nasci no Brasil. O que eu faço não é rock, é música popular brasileira.

Foi introduzida como uma “canção de amor”. Antes de apresentar a música no Fest Rock Brasília, em 2001, disse: “Caetano é uma pessoa que eu adoro, que eu amo, mas com quem eu tenho profundas divergências estéticas, filosóficas, existenciais e de pensamento. É uma pessoa que me sensibiliza muito tanto para o bem quanto para o mal”.

Continuando o diálogo, em 2008, Caetano lança sua tréplica, posteriormente incluída no disco Zií e Ziê. “Lobão tem razão”.

Lobão tem razão
Caetano Veloso

Lobão tem razão
irmão meu Lobão
chega de verdade
é o que a mulher diz
tou tão infeliz
um crucificado deitado ao lado
os nervos tremem no chão do quarto
por onde o semen se espalhou

o mundo acabou
mas elas virão
e nos salvarão
a ambos nós dois
o medo já foi
o homem é o próprio Lobão do homem
ela só vem quando os mortos somem
ela que quase nos matou

chove devagar
sobre o Redentor
se ela me chamar
agora
eu vou

mais vale um Lobão
do que um leão
meto um sincerão
e nada se dá
o rock acertou
quando você tocou com sua banda
e tamborim na escola de samba
e falou mal do seu amor

chove devagar
cobre o Redentor
se ela me chamar
agora
eu vou



Agora... fala a verdade! Os caras são gênios ou não são?
Pelo amor de Deus!

Hoje em dia, atacados pela moda da informação na velocidade da luz, vemos subcelebridades brigando no Twitter todos os dias, tomadas por impulsos mesquinhos e extremamente frívolos, discutindo publicamente questões que não tem absolutamente nada a ver com a vida de ninguém...

Esses caras estão “brigando” há mais de 20 anos! Seja discutindo movimentos importantes como o tropicalismo e o rock brasileiro, seja no Congresso, discutindo a legislação de direitos autorais e de proteção e incentivo a artistas, os caras estão sempre ai!

É um espetáculo.

E, para quem curte polêmica e bons argumentos... assista mais essa!




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