Mick Jagger, até hoje, diz que um
dos episódios mais nefastos da história dos Rolling Stones foi o
evento ocorrido em Altamont, na Califórnia, em 1969.
No dia 6 de dezembro daquele ano, os
Stones promoveram um mega concerto em Altamont Speedway, um autódromo
no meio do deserto, com entrada livre para quem quisesse ir. A ampla
divulgação nas rádios da época levou cerca de 300 mil pessoas ao
local, bem mais do que a quantidade esperada pelos organizadores.
Na programação, além do grupo de
Mick Jagger e Keith Richards, ainda estava prevista a aparição de
Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e Grateful Dead.
A segurança ficou por conta do bando de motoqueiros Hell's Angels.
Dizem
que os Angels foram contratados diretamente pelo produtor dos Stones,
para realizar unicamente a segurança do grupo, não do evento todo.
O pagamento, só o dinheiro da cerveja.
A bagunça foi enorme. Imagine só que o público recorde do Rock In Rio, em 2001, com o show do Red Hot Chilli Peppers, foi de 250 mil pessoas. Com a organização do Medina, numa Cidade do Rock construída especialmente para o evento. Agora imagine, em 1969, aproximadamente 300 mil pessoas no meio do deserto da Califórnia, com a segurança feita pelos Hell's Angels! Os caras usaram as próprias motos como barricada para conter o público à frente do palco. Só podia dar rolo.
E quando deu o rolo, morreu gente. Várias pessoas foram pisoteadas, muita gente tomou porrada dos motoqueiros, uma grávida (o que ela tava fazendo num show dos Stones, em 69, para 300 mil pessoas?) levou uma garrafada na cabeça e foi internada com traumatismo craniano e quatro homens morreram, dentre eles, Meredith Hunter, um produtor musical controverso. Esfaqueado até a morte por um dos Angels.
A
confusão foi parcialmente documentada no filme “Gimme Shelter”,
lançado em 1970. Dá pena ver a cara de Richards e companhia
assistindo às cenas da confusão, no videotape. O mundo do rock
parou, aturdido com o poder de mobilização que possuía. E que
podia ser mortal.

Era o auge da Era de Aquário. Aproximadamente 4 meses antes, entre os dias 15 e 18 de agosto, a primeira edição do Festival de Woodstock tinha balançado os conceitos morais e musicais da sociedade da época. Enfim, vivíamos a época mais rock 'n' roll da humanidade. Desfilavam, por Londres e Nova York, Hendrix, Joplin, Jagger, Richards, Lennon, Dylan, no ápice de suas criatividades. Marilyn Manson ainda usava fraldas.
Não é papo de saudosista, até
porque eu nunca vivi naquela época. Mas as drogas (na maioria
absoluta dos casos, maconha e haxixe) eram muito mais fracas (e mais
naturais). Cientificamente comprovado. O sexo e a música eram
utilizados como forma de chamar a atenção para a parte boa,
saudável e produtiva da vida – o oposto da guerra (física e
ideológica). Faça amor, não faça guerra.
E dai, de repente, abro a internet e
vejo um texto com o título “Caldas Country é mais rock'n'roll que
você”. (Por Pablo Kossa – disponível em
http://www.aredacao.com.br/colunas/21436/pablo-kossa/caldas-country-e-mais-rock-n-roll-que-voce).
Praticamente um jargão, repetido em tom de brincadeira por qualquer
um que visse as fotos inusitadas que rodaram pela internet após o
evento em Caldas Novas. E reciclado pelo Pablo Kossa.
Vivemos numa época em que o
enfrentamento a determinados valores é feito por puro modismo. Ou
pra polemizar. É 'cool' questionar a esmo. Enfrentar os pais,
esfregar sua preferência sexual na cara dos outros (principalmente
os héteros). Não se sensibilizar com a morte ou o prejuízo
alheios. Mostrar que é bem resolvido na vida e dono da própria
bunda. E postar tudo no twitter.
A falta de educação impera em todos os lugares. E o que vemos são crianças mimadas, que não aceitam 'não' como resposta. Mentes pueris em corpos sarados. Não curtem música. Curtem algum barulho que abafe, temporariamente, algum pouco bom senso existente e os deixe fazer bagunça em paz. E estão dispostos a pagar por isso.
Ai surge o Caldas Country. Com todo
o respeito a alguns poucos artistas que se apresentam por lá (sim,
porque a maioria é um bando de aproveitadores de onomatopéias): Não
se iludam. Ninguém está lá para escutar vocês.
Sem os pais por perto, o bonde da
criançada apronta na cidade. O que vemos é diversão de criança
mimada: violência gratuita, birra, prostituição em alta, estupros.
Morte, sexo explícito, um zoológico a céu aberto. Vemos a
selvageria, a regressão da condição humana a patamares mínimos,
sem a baliza da civilidade. E o principal: sem objetivo. Diversão a
todo custo. Até agora não consigo entender o que levou um cara a
destruir o próprio carro. Subiu em cima, sambou, pulou, quebrou
vidros e, por fim, ateou fogo. Uma brincadeira de mais de
R$40.000,00.
E ai, vem um texto me dizer que o
Caldas Country é mais rock'n'roll que eu. Para mim, o autor não
entende nada de rock.
Qualquer pessoa sabe (ou precisa
saber) que o rock, de modo geral, é um tipo de atitude, de
pensamento de vida, aliado à música. É questionamento constante,
inconformismo. Vontade de liberdade, diversão, prazer. É o desafio
a valores vigentes. Rebeldia. Tudo regado a amplas doses de
consciência política, social, individual. Ainda que fale de amor.
Quer identificar a essência
rock'n'roll em alguma coisa? Postura. Analise o contexto da obra, a
paisagem, a pintura maior. Geralmente, o rock é do contra, e tem
excelentes motivos para tanto. Desde o questionamento social de Bob
Dylan, até o inconformismo individual de Kurt Cobain. E não se
esqueça da música, pelo amor de Deus. Música.
Preciso falar sobre Caldas Country?
Mesmo? Não vou nem dizer que ali, ninguém sabe o que quer, ou onde
quer chegar. Só quer o prazer. E não há música. Sim, ela está
tocando! Mas ninguém ouve. Não vou citar a violência gratuita que
deixaria qualquer “Glimmer Twins” se esquecerem dos Hell's
Angels. Não vou citar os atos de sexo banal praticados
explicitamente, na frente de câmeras de smartfones, para afirmar
sabe-se lá o quê, para sabe-se lá quem.
O Rock é o desafio. É a luta
contra a correnteza. O Caldas Country é apenas a confirmação de
toda a falta de valores e de motivos que tomam conta de mais de uma
geração. É a confirmação do que existe de mais podre na nossa
sociedade e que, um dia, há de passar. É a própria correnteza, em
si.
O Rock é a rebeldia contra Caldas
Countrys.
Então, Pablo Kossa, ouça mais
rock. Leia mais. E pare de falar asneiras. Ou então, tire o chapéu
do armário e junte-se aos demais pseudo-rockers, lá em Caldas, ano
que vem.
Qualquer pessoa é mais rock'n'roll
que o Caldas Country.