É
interessante como não existe um estilo musical mais maltratado do
que o sertanejo, no Brasil.
Um
pseudo-sertanejo, falso, raso e mal feito foi desajeitadamente
colocado como continuação daquele antigo, tradicional, ofuscando-o.
Se
formos parar para pensar, de certa forma aconteceu isso com todos os
estilos, no decorrer dos tempos. Porcarias sempre existiram, sempre
vão existir, dentro de qualquer gênero musical que seja. Mas, a meu
ver, a situação da música sertaneja é um pouco pior. Minha
preferência é o rock, de maneira que me doem os ouvidos quando ouço
uma banda como o Restart aparecer na televisão, dizer que tem
influência de Black Sabbath, ganhar um prêmio qualquer de
“Revelação Rock” e sair gritando “O rock não morreu” no
microfone (Nessa hora, o Lobão parece ter acertado... O rock errou.
E feio!). Mas ninguém acredita nessa baboseira – vendam eles
quantos milhões de discos quiserem. O rock praticamente nunca foi
marginalizado – sempre teve uma atitude rebelde, anti-sistema, o
que é diferente. Mas, em qualquer lugar do mundo, o rock tem o seu
espaço garantido.
Já com
o sertanejo, a situação é diferente. O estilo sempre brigou com
gêneros urbanos. Nunca teve o devido reconhecimento e, por vezes,
foi taxado de brega, antiquado (porque, sejamos honestos: na maior
parte das vezes era mesmo). Enfim, brigou bastante para conquistar
seu espaço e, quando estava em vias de conseguir, foi ofuscado por
uma farsa. Playboys apropriaram-se do palco e o crescimento do gênero
autêntico ficou estagnado – ou foi desviado de modo bem troncho.
Veja a
linha de evolução das coisas, a meu ver:
1. Anos
1920 - Começou com as Folias de Reis, depois Cornélio Pires
oficializou a entrada no mercado.
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Tonico e Tinoco - Pioneiros |
2. Anos
1940 - Passa Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho e a
consolidação das grandes duplas de raíz. Lá com a turma do Tião
Carreiro, a coisa deu uma profissionalizada, com a melhoria das vozes
e adição de mais instrumentos.
3. Anos
1960 - Milionário e José Rico deram uma “embregada” na coisa,
exaltando o lado “dor de cotovelo”, dando ares de música
mariachi com bolero (aqui, aparece uma curva suave na trajetória do
estilo). Vêm Mato Grosso e Mathias, João Mineiro e Marciano, etc.
4. Anos
1970 – O sertanejo adota uma postura mais moderna. Sérgio Reis,
Renato Teixeira e Léo Canhoto e Robertinho trazem influências do
MPB e do rock, metaforizando, de certa forma, a inserção do homem
do campo na cidade.
5. Anos
1980 – Chitãozinho e Xororó, no início dos anos 80, pegam carona
no lado brega e deixam a marca inevitável das vozes em falsete
(aquele alarido que incomoda o ouvido em “Evidências”).
Começamos a ver o aumento da separação entre cantores e
compositores, bem como a supervalorização das regravações. Pela
primeira vez, a segunda voz se torna efetivamente secundária (na
música caipira de raiz, dupla era dupla. Não havia distinção de
importância de vozes).
6. 1985 -
Metade dos anos 80, entra Leandro e Leonardo, com novos falsetes e a
supervalorização da dor de cotovelo (curva acentuada nos trilhos da
evolução). Inauguração da arena do “Os Independentes”, em
Barretos, e a explosão da cultura western/country no meio sertanejo.
7. Anos
1990 - Inicio dos anos 90, vem a turma o Zezé di Camargo e Luciano e
Chrystian e Ralf, pra eternizar os “Amigos” e marcar de vez, em
nossas almas e ouvidos, o poder das vozes em falsete. Entram as
calças jeans atochadas. O Sertanejo ganha de vez a Globo.
8. 1995 -
Metade dos anos 90, o estilo “embrega” de vez. Aparecem as
primeiras músicas “zoeira”, com César e Paulino, Guilherme e
Santiago, “Enrosca, enrosca” e o tira e põe de carros nas
garagens das vizinhas. O estilo, que já era marginalizado, toca
praticamente só nas rádios AM de ônibus coletivos e vira sinônimo
de decadência. (ladeira abaixo na evolução. O sertanejo respira
por aparelhos).
9. 1999 -
Fim dos anos 90, Bruno e Marrone começa a tocar no carro dos
playboys. As orelhas dos empresários do ramo se levantam. O estilo
volta a parecer economicamente viável. A mudança do público gera
um rebuliço enorme. Os nomes de dupla antigos saem de moda e as
duplas começam a adotar nomes urbanos. A Festa do Peão de Barretos
começa a voltar a ficar chique.
10. Anos
2000 - Victor e Léo, Edson e Hudson, Fernando e Sorocaba, João Neto
e Frederico, dentre diversos outros, consolidam a música sertaneja
entre faixas etárias mais jovens, inserindo o gênero como
obrigatório nas baladas. Existe uma explosão de duplas pelo Brasil
afora. A temática das músicas é praticamente sobre relações
amorosas. A criatividade some, e tanto as músicas quanto os nomes de
duplas começam a se repetir, em combinações óbvias (Victor e
Neto, Léo e Frederico, etc). O quadradinho mágico das trastes do
violão (Bm, G, D, A e derivações) entra de cabeça para o
circuito. O público cada vez mais jovem inspira a denominação de
“sertanejo universitário” ao estilo – em contraposição ao
“sertanejo tradicional” ou “de raiz”.
11. 2008
- Luan Santana aparece como uma mistura de Sandy & Júnior com
Amado Batista: a quebra efetiva no padrão de duplas, demonstrando a
viabilidade do cantor solo. Acompanhado por Gusttavo Lima, Eduardo
Costa, Cristiano Araújo, Paula Fernandes, Michel Teló, dentre
outros. O público abrange idades ainda mais precoces.
12.
Atualidade - A falta de criatividade chega ao ápice. A temática
aborda festas, esbórnia, cachaça e um sem número de onomatopéias
(tchu tchu, tchererê, parapapá, etc). Exceto pela sanfona, não
existe mais nenhum elemento em comum com o antigo gênero. As
regravações são apenas de excertos das antigas canções – falta
paciência para cantar tudo.
Logicamente
que os movimentos paralelos sempre existiram. Sérgio Reis, que saiu
da Jovem Guarda para se dedicar à musica sertaneja, continua
gravando e fazendo shows. Almir Sater e Renato Teixeira, apesar de
meio sumidos, continuam na ativa (o filho do Renato, Chico Teixeira,
inclusive, se lançou no mercado em 2011, com a proposta de resgatar
o sertanejo de raiz). Milionário e José Rico e os sertanejos
urbanos também.
Mas
percebe-se que todos eles estão à margem de todo o processo. Foram
endeusados e engessados na parede do tempo. Os sertanejos da atual
geração possuem verdadeira devoção a esses antigos ícones, desde
que estes não se intrometam. Ou, quando interagem, a sensação é a
de que pertencem a categorias distintas. Chitãozinho e Xororó
cantando com Luan Santana, é como Roberto Carlos cantando com Jorge
Aragão, ou como Dinho Ouro Preto dividindo o palco com Mart'nália.
Guardadas as devidas proporções e o devido respeito a quem merece,
claro.
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Villa Mix - o Templo "Sertanejo" |
O
sertanejo definitivamente não é um gênero que eu aprecio. Mas
sempre respeitei os artistas e as obras pertencentes a esse estilo.
Sem dúvida nenhuma, fazem parte da cultura nacional, da nossa
identidade. Mas é fácil constatar que o que hoje se produz em larga
escala não passa de um embuste. É necessário respeitar sempre a
liberdade de escolha de quem gosta. Mas não venha me empurrar como
sertanejo, que eu não compraria nem se fosse mesmo.