segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Gilby Clarke no Bolshoi Pub




14/11/2013 - Goiânia/GO

Qualquer pessoa que trabalhe com Axl Rose, em algum ponto, chega à inevitável conclusão: “Esse cara quer que eu seja empregado dele”. E com Gilby Clarke não foi diferente. Até porque ele era, efetivamente, músico contratado do Guns'n'Roses no período em que tocou com Slash e companhia, entre 1991 e 1994.

Clarke substituiu Izzy Stradlin nas guitarras bases (que eram brochantemente ligadas alguns decibéis abaixo das guitarras solos de Slash) após esse último decidir pelo seu desligamento do Guns, de forma misteriosa até para os próprios membros da banda. Em sua autobiografia, Slash conta que Izzy, um dos que mais usava drogas durante as turnês, em certo ponto sumiu e não compareceu mais aos ensaios. Telefonou depois para Axl, dizendo que estava fora da banda. Ele mesmo, Stradlin, disse posteriormente que, uma vez que houvesse largado as drogas, enxergou a bagunça que era sua vida com o Guns, e decidiu se afastar. Isso da metade para o fim de 1991. Retomou contato com os antigos bandmates apenas de uns anos pra cá. Enfim.

Em meio ao rebuliço dos fãs mais radicais, Gilby assume seu posto. A fase ficou marcada no clipe de “Don't Cry”, em que um cartaz com os dizeres “Where's Izzy?” aparece discretamente na tela. Axl, nas turnês do “Use Your Illusion”, o apresentava como sendo Gilby Clarke...the man with the new corvette”.


Por falar em “Use Your Illusion”, essa foi a grande sorte de Gilby. Ter substituído Izzy no curso da turnê mundial e no auge do sucesso da banda o tornou um rosto conhecido em frações de segundo. Ele é o cara que aparece em todas as filmagens do famoso show no Tokyo Dome, no Japão, eternizado em uma das raras apresentações do Guns em qualidade de som e imagem superiores. Praticamente todo o resto é bootleg ou essa depressão de banda que é atualmente, com a empresa Axl Inc.

Ou seja, Gilby foi apresentado, conhecido e eternizado em grande estilo. O segundo cara dos lenços (o primeiro, obviamente, é o Steven Tyler). O cara do corvette novo.

No dia 14/11, ele voltou ao Brasil para uma série de 4 apresentações. De Los Angeles, desceu direto em Goiânia, no Bolshoi Pub, para passar o som.

Quando eu cheguei, antes da “abertura dos portões”, não tinha ninguém na porta do pub. O preço do ingresso a R$110,00, somado ao início do Festival Vaca Amarela no Martim Cererê (bandas boas a preços justos), e a tensão pré-Caldas Country que esvaziou a cidade contribuíram também para o esvaziamento do show. Uma pena. Alguns minutos depois das 21h30, vi Andria e Ivan Busic (os irmãos Dr. Sin que acompanham Gilby na turnê brasileira e que dispensam apresentações) saírem pela porta principal, após a passagem de som. Desci os olhos pro celular pra comentar com a galera do WhatsApp e, quando levanto novamente, o cara tá na minha frente, ainda de mala em punhos. Isso mesmo, o cara do corvette novo. Arrebentado pelas horas de vôo, blazer amassado, cabelos ensebadamente rock'n'roll, óculos de sol aviador quando o sol já havia sumido há, pelo menos, 4 horas... Cara, isso é estar na estrada.

E foi heroico ver aquele sujeito destruído por mais de 12 horas de vôo subir no palco empunhando sua Les Paul Goldtop historicamente surrada e enfrentar pouco mais de 200 pessoas ansiosas por vê-lo, tratando-as como se fossem o Tokyo Dome lotado, de outros anos. Pelo menos foi assim na primeira música – por ironia, “Wasn't Yesterday Great”. Depois de alguns “urrul” da plateia, ele caiu na real de que não estava nos fantásticos e apertados pubs de Hollywood. Aquilo era Goiânia do pé rachado.

Depois da primeira, veio “Black”, um clássico da sua carreira solo. Aliás, músicas dessa fase sobraram. Muita gente foi para ouvir Guns'n'Roses - e se decepcionou, porque ele tocou só “It's So Easy” e a batidíssima “Knocking on Heavens Door”, que nem é do Guns, diga-se de passagem. Knocking, pra mim, é como Pais e Filhos da Legião, Come As You Are do Nirvana, Another Brick In The Wall do Pink Floyd. Músicas fantásticas, mas que não refletem a profundidade obra da banda e viraram gigantescos “arroz com feijão”. No caso do Gilby, hits como “Cure me... or kill me”, “Tijuana Jail”, “Motorcycle Cowboys” (da fase do Kill for Thrills) e “Be Yourself” (do Rockstar Supernova), verdadeiras peças do Hollywood HardRock farofa de raiz, permanecem de lado sem o seu devido valor. Ele tocou todas, para uma plateia morna. Me excluo dessa.

Mas o pior foi quando ele disse “Now, I'll play a song of a great band. The band who inspired me. Do you know The Rolling Stones?” ou algo nesse sentido. Uma música dos Stones! Que isso! Casa abaixo era o mínimo. Mas o que se ouviu foram alguns aplausos isolados, no máximo um “urrul!” que surpreendeu ao próprio Gilby. E mandou ver “It's Only Rock'n'Roll (but I like it)”. E mais tarde, antes de começar Dead Flowers (também dos Stones), mandou essa “Do you want more Stones? Oh, come on, I'll play whatever the fuck I want”.

"Anybody out there?"
Performances fantásticas dos irmãos Busic e do próprio guitarman. Apesar da plateia, o show seguia ótimo. A parte patética veio na própria “Knocking On Heavens Door”. Cantando a versão do Guns, ele pediu participação da plateia no coro final. E a cada vez que não era 100% correspondido (ou seja, quase sempre), ele mandava pérolas. De primeiro, disse “Oh my god! You sounded like angels!”. Da segunda, mandou “This night will be amazing!”. Na terceira, falou “I've never heard something like this before. Admit it! You've been practicing!”. Era de morrer de rir, por falta de outra palavra mais trágica. A culpa não foi dele.



Por fim, encerrou com “Tijuana Jail”, dizendo que mal espera para voltar a Goiânia novamente para agitar as coisas. Voltou rapidamente para o encore, tocou “Alien” e sumiu para o backstage. Impressionante é que, pelo que li por ai, o show no Bolshoi parece ter sido bem melhor que o de Uberlândia, São Paulo e Rio de Janeiro.

De qualquer forma, Gilby é um cara impressionante. Respira, vive, veste, exala rock'n'roll. É um legítimo rockstar, um guitar hero, e de uma simpatia invejável. Mesmo com uma plateia pouco receptiva, com o cansaço da estrada e numa cidade desconhecida pra ele, conseguiu fazer um show memorável. Um setlist de 11 músicas, com pouco mais de 1 hora de duração, mas que, pra mim, valeu cada minuto (e começou pontualmente! Ao contrário de certa Maria Gadu, que no mesmo dia e horário deixava a plateia esperando 3 horas pelo início do show no Centro Cultural Oscar Niemeyer). Gosto de pensar que esses caras são história viva. Em maior ou menor grau, participaram da formação do que conhecemos hoje como rock'n'roll. São os Napoleões, Getúlios e Joanas D'Arc do meu estilo favorito – e ainda existem, respiram por ai.


E ainda faturei uma palheta!



14/11/2013 0h00 – Goiânia/GO, Bolshoi Pub
SETLIST:

1. Wasn't Yesterday Great
2. Black
3. It's Only Rock 'n' Roll (But I Like It) (cover dos Rolling Stones)
4. Motorcycle Cowboys (música do Kill for Thrills)
5. Be Yourself (música do Rock Star Supernova)
6. It's So Easy (música do Guns N' Roses)
7. Cure Me ... Or Kill Me ...
8. Knockin' on Heaven's Door (música do Bob Dylan, versão do Guns N' Roses)
9. Dead Flowers (cover dos Rolling Stones)
10. Tijuana Jail 
 
Bis:

11. Alien 


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sábado, 2 de novembro de 2013

Sobre “Drinking Buddies"






Eu adoro filmes de diálogo. É aquele filme em que não há muita ação, e em que a trama se desenrola basicamente em cima de relacionamentos - que, obviamente, se expressam nas falas dos personagens. O exemplo clássico é a trilogia do Richard Linklater (Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-Do-Sol e o mais recente, Antes da Meia-Noite), em que os protagonistas Jesse e Celine desfilam com seus dramas pelas ruas de cidades européias, remexendo conceitos (e preconceitos) dos telespectadores. Adoro esse tipo de filme porque, apesar de aparentemente sem ação, por incrível que pareça eles conseguem, geralmente, ir mais a fundo em questões fundamentais do que outros filmes que se propõe a tanto.

Assisti hoje a “Drinking Buddies”, que não foi lançado no Brasil ainda (e, portanto, até a presente data, não possui nome oficial em português - mas que poderia ser traduzido livremente como “Parceiros de copo”) e, infelizmente, não deve entrar no circuito principal. Talvez você o encontrará apenas em cinemas dedicados a filmes de arte e/ou de pequeno orçamento, videolocadoras especializadas ou na internet. Também se encaixa muito bem nessa categoria de “filmes de diálogo”.

Decidi assisti-lo depois de vê-lo figurar numa lista de melhores filmes de 2013, supostamente elaborada pelo Quentin Tarantino. Tarantas este que também é fã assumido de diálogos bem elaborados (o que, pensando bem, acaba dando um pouco mais de credibilidade à mencionada lista de filmes - que ainda conta com “Gravidade”, “Kick-Ass 2”, “É o fim” e o “Antes da Meia-Noite” do Linklater).

O filme é muito bom. Não espere chorar, ou morrer de rir, porque essa não é a proposta (apesar de a maioria dos sites da internet classificá-lo precipitadamente como comédia romântica ou drama). 

Escrito e dirigido por Joe Swanberg, trata-se da estória de Luke (o divertidíssimo Jake Johnson, da série 'New Girl') e Kate (Olívia Wilde, tentando - e conseguindo - se desvencilhar da imagem de mulher durona que cristalizou com outras atuações), colegas de trabalho em uma pequena fábrica de cerveja. Os dois são grandes amigos, que adoram tomar cerveja juntos e jogar sinuca no bar Empty Bottle com o restante do pessoal da cervejaria. E a partir da tensão sexual existente entre os dois, a trama se desenvolve, já que ambos estão comprometidos: Luke tem planos de se casar com Jill (Anna Kendrick) e Kate namora Chris (Ron Livingston), um produtor musical, há 8 meses.

Sorrateira e ardilosamente, o diretor nos instiga a olhar tudo pelo ângulo de romances melosos à la Nicholas Sparks, fazendo com que esperemos ver, a qualquer momento, Luke e Kate se entregarem aos beijos um do outro. A questão é que, o que impossibilita que eles fiquem juntos é o fato de terem, cada qual, seus próprios amores. Dai começa a complicação - mais para nós, espectadores, do que para os próprios personagens: torcer por eles é, também, torcer pelo fim de seus romances atuais ou, o que é pior, desejar assistir a uma traição. Chegamos a ser "brindados" com um deslize de Jill e Chris, o que levaria qualquer espectador a pensar: “Pronto! Olha ai!  Eles deram motivo! Agora é só terminar e partir pra cima!”.  

Mas acontece que Joe Swanberg não queria um filme sobre amores impossíveis, contrariando o vício da platéia nesse tipo de gênero. Ele queria justamente dizer que há mais possibilidades entre um homem e uma mulher. “Drinking Buddies” (e não “Drinking Lovers”) trata sobre a amizade e a construção de seus limites. Suas responsabilidades, seus riscos e sua perfeita compatibilidade com o amor. 

Não quero aqui ficar contando filme, o que acabaria com a discussão - e com o prazer de quem ainda não o assistiu. Mas se você for assistir (ou rever), basta reparar que os protagonistas formam, por si mesmos, uma dicotomia interessante para entender a ideia central: Luke, aparentemente, nunca teve dúvidas quanto à natureza da relação deles e é fundamental no processo de construção dos limites dessa relação (e ainda quebra o estereótipo de que homem só enxerga mulher pelo viés sexual); Kate, a parte mais vulnerável, diante das dúvidas que advém de seu relacionamento amoroso com Chris, aparece como contraponto, responsável pela incerteza e pelo “E se…”. Com base nisso, a amizade se fortalece.

O interessante é que a maioria das resenhas e críticas que li sobre o filme tendem a induzir o espectador a olhar pelo lado romântico de toda a estória. “Nada como cerveja para embaçar os limites da amizade” e por ai afora. Um certo apelo comercial. A meu ver, não entenderam nada. “Drinking Buddies”, muito mais que isso, quebra o clichê do grande amor e mostra o quanto é legal ter, também, um bom parceiro de copo. Transmite uma vontade louca ao espectador de chamar Kate e Luke (e Jill, por que não?) para o Empty Bottle e pagar a rodada de chope pra todo mundo. Pelo menos essa foi a vontade com que fiquei.

Um filme simples. Mas que trata de questões profundas com inteligência e bom humor. Como  todo bom “filme de diálogo”.

ALGUMAS CURIOSIDADES:

-> Joe Swanberg não escreveu os diálogos completos dos personagens. Entregou aos atores e atrizes o esqueleto das cenas e os instruiu a improvisarem, a fim de criar o clima certo de descontração. A maioria das cenas é fruto de trabalho e estudo dos próprios artistas. Com isso, ele queria evitar, principalmente, cair na previsibilidade que as comédias românticas geralmente inspiram.

-> Em grande parte das cenas, os atores e atrizes realmente estão bebendo cerveja.

-> Swanberg teve a ideia para o filme após receber de aniversário um kit de cervejas artesanais feito por uma cervejaria independente. A partir dai, quis escrever uma estória sobre conflitos adultos, mas que tivesse sempre uma abordagem divertida, apesar de séria.

-> O filme foi rodado numa cervejaria independente real de Chicago, chamada Revolution. Lá, existe uma funcionária que realmente se chama Kate, e que foi a base para Joe construir sua personagem.

-> Jake Johnson escolheu deixar seu personagem com uma barba bem espessa, o que daria um ar mais real a Luke.

Trailer: