sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

FAITH NO MORE

Bandas que você não pode deixar de conhecer
Mike Patton, meio Bossa Nova, meio Rock'n'Roll
(Houve quem dissesse que era Pai de Santo)


Na verdade, eu estava acordado até meia-noite de uma segunda-feira (14/11/2011) esperando a transmissão do show do Alice in Chains, ao vivo do Festival SWU, pela Multishow. Estava curioso para saber como o novo vocalista, Willian DuVall, conseguiria segurar a barra em “Would?” e “Rooster”, no lugar de Layne Staley, vocalista original falecido em 2002.

Dai o Henricão (@henriqueBSA) me disse, pelo twitter: “Bicho, continua acordado e assiste ao próximo show! Faith No More! Você não vai se arrepender!”. Começou a chover em Goiânia bem no começo do show, o sinal da TV do Henricão sumiu e ele perdeu o show inteirinho. Eu não perdi nem um segundo. E, realmente, não me arrependi.

O Faith No More é considerado como uma das bandas de rock mais famosas dos anos 90. Antes disso, entretanto, em 1981, a banda se chamava Faith No Man e era liderada pelo guitarrista Mike Morris, o qual todo mundo conhecia por “The Man”. Os outros integrantes, Roddy Bottum, Mike Bordin e Billy Gould, perderam a paciência com o the man e resolveram partir pra outra. Como a banda praticamente era do Morris e não dava para despedi-lo, resolveram o problema fundando outra banda: o Faith No More. O próprio nome era significativo, já que mencionava explicitamente (e de forma bem-humorada) que o “The Man” vazara. “No More The Man”. Isso, em 1982.

Entra Jim Martin para assumir as guitarras. Faltava ainda um vocalista imponente e, depois de tentarem centenas de nomes (até Courtney Love fez teste!!), escolheram Chuck Mosley. Nessa formação, lançaram dois álbuns (We Care a Lot, de 1985 e Introduce Yourself, de 1987). Mas a banda não decolou.

A verdade era que Roddy, Billy e Mike (o Bordin) não estavam satisfeitos com a performance de Chuck Mosley. Dai aproveitaram que o cara era alcoólatra e dava muito trabalho no palco para dar um pé na bunda (providencial!) no cara.

Nessa hora, abre-se um capítulo totalmente novo na história do Faith No More. Na busca por um novo vocalista, Jim Martin ouviu uma demotape da banda Mr. Bungle e acabou sugerindo o nome de Mike Patton. Esse, sim, deveria ser apelidado de “The Man”.

Na história do rock, a coisa mais comum que vemos é um cara visionário e carismático que, seguindo seus instintos, reúne 3 ou 4 amigos e funda uma banda de rock foderástica (ex.: Dave Ghrol e Foo Fighters; Lars Ulrich e Metallica; Chris Cornell e Soundgarden, etc). Com a entrada de Mike Patton para o Faith No More, entretanto, a banda passou a figurar numa categoria rara: a das bandas que, assim como Pearl Jam (com Eddie Vedder), já existiam antes do cara visionário, mas esperavam ansiosamente que ele desse as caras. E só se transformaram em foderásticas com o toque pessoal dele.

Patton chegou no Faith No More a tempo de entrar para o estúdio e ajudar na finalização do álbum The Real Thing (1989). E este álbum lançou a banda para a imortalidade, transformando-a num dos principais ícones do rock'n'roll.

Parecia milagre. O carisma de Patton e a profundidade das novas músicas conferiu um sucesso comercial jamais imaginado pelos caras. “Epic”, o grande hit da banda, tocava de meia em meia hora na MTV brasileira, que começava a se firmar. Era a música do momento. A cara dos anos 90. Claro, não podemos deixar de lado outras faixas excelentes como From Out of Nowhere (excelente para abrir shows!), Falling To Pieces, Zombie Eaters e a faixa-título, The Real Thing.

Em 1991, na segunda edição do Rock In Rio, o Faith No More tocou para um Maracanã lotado, que cantou várias das músicas do começo ao fim. Patton apaixonou-se pelo Brasil e, desde então, sempre trata nosso país de maneira especial.

Patton pode ser considerado um hiperativo cultural. O cara não pára, no palco ou fora dele. Assim, ao produzirem o segundo álbum, Angel Dust, o vocalista teve oportunidade de extravasar todo o seu experimentalismo, usando e abusando de batidas eletrônicas, funk e teclados. De certa forma, todos os integrantes queriam se distanciar um pouco do lado pop estigmatizado por “Epic”, o que resultou num disco bem diferente do anterior. Desagradou a crítica (principalmente americana). Mas os fãs foram ao delírio (no começo).

O álbum deu início a uma turnê gigantesca pelo mundo, na qual o Faith No More tocou exaustivamente em diversos festivais, abriu shows do Metallica e do Guns N'Roses (que, na época, desfilava seu Use Your Illusion).

Ao fim da tour, Patton exagerava no seu desprezo ao pop e à devoção dos fãs mais fiéis, chegando ao ponto de provocar a platéia em diversos shows. A parte do público que, tradicionalmente, tinha conhecimento superficial da banda (só conheciam “Epic”) tomou desprezo pelo grupo. Por outro lado, fãs radicais consolidaram seu culto ao FNM.

O terceiro álbum, King for a Day... Fool for a lifetime, surgiu em 1995, com uma musicalidade mais crua. O clima na banda, entretanto, não era dos melhores, já que a necessidade de Patton em explorar novas tendências musicais o afastava cada vez mais dos outros integrantes.

Esse clima afetou absurdamente a gravação do novo disco. Os teclados foram atenuados, e o som terminou se firmando como metal comum, sem muito da originalidade da banda. A falta de empolgação do público, inclusive, gerou o cancelamento da turnê européia pela metade.

Com o clima cada vez pior, os integrantes passaram a priorizar seus projetos solos. E, quando todos esperavam o anúncio do fim da banda, o FNM entra uma vez mais em estúdio, em 1997, para gravar seu último álbum: Album of the year.

Apesar de conter verdadeiras pérolas como Stripsearch, Last Cup of Sorrow e Ashes to Ashes, o disco teve uma recepção bastante fria de crítica e público. As músicas surgiam sem uma linha de união, sem nexo, como se fosse uma coletânea de B-sides, gerando um álbum inconsistente, se considerado coletivamente.

No mesmo ano, apesar de a banda estar em seu auge de experiência, proporcionando apresentações ao vivo verdadeiramente memoráveis, disputadas a tapa em território europeu, foi anunciada a separação do grupo.

Enquanto os demais membros do FNM se dedicavam a projetos (artísticos ou não) de pouca expressão, Mike Patton aproveitou a liberdade da carreira solo para engatilhar diversos projetos bastante consistentes, todos guiados pela despreocupação comercial e falta de apego à popularidade. Nessa época, reafirmou a genialidade que possui como artista.

Depois de mais de 10 anos separados, em 2009 o Faith No More anunciou sua volta para alguns shows ao redor do mundo. Inclusive no Brasil. E em 2011, marcou presença mais uma vez em solo brasileiro, no Festival SWU. Numa apresentação memorável, não faltaram demonstrações de reverência à cultura brasileira por parte da banda.

Pra começar, o garoto Cacau Gomes, de Recife, declamou poemas no início e no meio da apresentação. Após, todos tocaram vestidos de branco, em menção ao candomblé. Patton entrou no palco de chapéu panamá, bengala e charuto, no melhor estilo Bossa Nova carioca. Sem contar que Mike conversou praticamente o tempo todo em português, executando a música “Evidence” na já tradicional versão brasileira. Por fim, a música Just a Man contou com a participação discreta (mas da mais alta sensibilidade) das meninas do coral de Heliópolis.

Não se sabe se a banda voltará definitivamente, com um calendário mais extenso de apresentações para 2012 e Mike Patton garante que não existem planos para o lançamento de um novo álbum. O legado do Faith No More, entretanto, é inegável, tendo influenciado centenas de bandas dos anos 90 e até do novo milênio. A principal força do FNM é seu caráter desafiador. Surgida no momento em que bandas dos anos 80 se arrastavam em cima de velhos sucessos, e num cenário onde o Pop tomava conta da cena musical e o rap conquistava as paradas mais altas de sucesso, o rock autêntico (e ousado - em conteúdo e em técnica) produzido por Patton e companhia é, sem dúvida alguma, atemporal (ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, virou a cara boa dos anos 90).

O show do Faith No More no SWU foi um dos shows mais loucos que eu não fui na vida (infelizmente). Mas a banda, definitivamente, é de conhecimento obrigatório para quem quer estar em contato com a boa música (e o excelente rock'n'roll). "Porra, caralho!"